Para ele, pressão de políticos e empresários por juro menor é normal
Valor
Presidente do Banco Central durante os dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Henrique Meirelles avalia como acertada a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de utilizar uma comunicação mais dura no contexto atual de desancoragem das expectativas inflacionárias e de discussões levantadas pelo governo sobre as metas de inflação.
Em meio às críticas de Lula direcionadas à autoridade monetária, Meirelles afirmou, ao Valor, que a pressão por juros mais baixos, do ponto de vista de um presidente do BC, é usual e, durante seu mandato à frente da instituição, os pedidos por uma política mais frouxa vinham de diversos agentes.
Meirelles vê como contraproducente a discussão sobre a alteração das metas de inflação e acredita que o nível atual, ao redor de 3%, está alinhado às práticas internacionais de países emergentes. Para ele, cabe ao governo aprovar uma reforma administrativa, dar mais transparência à trajetória fiscal por meio de uma âncora crível e uma reforma tributária que simplifique a cobrança de impostos para que o Brasil volte a crescer de maneira sustentável nos próximos anos.
Valor: O governo tem feito críticas ao nível da taxa de juros e à condução da política monetária. Como o sr. tem visto esse ambiente?
Henrique Meirelles: A situação de pressão sobre a taxa de juros, com pessoas querendo que a taxa seja mais baixa, é normal. É algo que o BC tem que enfrentar de uma forma natural, usual. No meu tempo, por exemplo, havia pressão de todos os lados. Se nós olharmos para as experiências históricas, inclusive no Brasil, vamos ver que a inflação baixa é uma condição necessária para o país poder crescer de forma sustentável, criar emprego e criar renda. A inflação corrói o poder de compra das pessoas e desorganiza a economia. A maneira de maximizar o crescimento a médio e longo prazo é mantendo a inflação sob controle, mesmo que, num primeiro momento, a curto prazo, você tenha que contrair a atividade econômica para baixar a inflação e, aí, crescer de forma controlada, sustentável. Nós tivemos exemplos disso, inclusive no Brasil. A primeira, durante o próprio governo Lula. Se olharmos de 2005 a 2010, nós tivemos uma inflação média exatamente no centro da meta, de 4,5%. Em consequência, o país pôde crescer de forma sustentável.
Valor: É normal essa pressão por juros mais baixos?
Meirelles: É normal que os políticos e muitos empresários tenham uma visão de curto prazo. Em um primeiro momento, o aperto monetário gera contração da atividade e isso leva a uma impressão de que é algo negativo. Evidentemente, se olharmos mais para a frente, a médio e longo prazo, isso se mostra positivo. Deixar a inflação fora de controle, sim, é que é negativo.
Se olharmos de 2005 a 2010, nós tivemos uma inflação média exatamente no centro da meta, de 4,5%”
Valor: Como o sr. avalia as discussões recentes sobre o nível das metas de inflação no país?
Meirelles: Eu acho que aumentar a meta neste momento é negativo. Estamos tendo um problema com as expectativas de inflação exatamente por causa dessas declarações sobre possibilidade de subir meta, e isso já se mostrou negativo. A inflação está mais resistente exatamente por isso. A meta tem que, de fato, descer gradualmente. Quando você começa a mexer na meta, vai inflar as expectativas e não vai ganhar nada. Só mais inflação.
Valor: O presidente tem criticado o nível atual da meta de inflação…
Meirelles: Eu entendo o presidente dizendo que não devemos ter inflação no nível dos países europeus, no nível americano, onde as metas são ao redor de 2%. Aqui no Brasil, como um país emergente, nós temos que convergir para a meta dos países emergentes, que é ao redor de 3%. As metas de 2023, 2024 e 2025 já estão estabelecidas. Mexer nisso seria uma coisa inusitada. Seria altamente negativo do ponto de vista de perda de controle das expectativas. E, se o CMN fixar a meta de 2026 e aumentar, vai fazer isso com que finalidade? Entendo a preocupação com crescimento. É uma preocupação legítima. O ideal é convergirmos cada vez mais para inflação e taxa de juros baixas. Quando eu assumi o Ministério da Fazenda e conseguimos aprovar o teto de gastos dentro do cenário de austeridade, isso permitiu que as expectativas caíssem muito rapidamente e que a taxa de juros também caísse muito rapidamente e chegasse a um recorde de baixa. E tivemos inflação abaixo da meta. É esse o caminho, não o contrário.
Valor: Como o sr. tem visto o tom mais duro usado pelo BC?
Meirelles: O Banco Central tem razão. Ele tem um problema com a desancoragem das expectativas devido à insegurança fiscal. Quanto mais segurança fiscal se der, maior a ancoragem das expectativas. Nós temos também a discussão da meta. Quando se começa a debater aumento da meta, o efeito disso é, exatamente, a deterioração das expectativas. O que o BC tem que fazer? Adotar um tom mais duro para tentar controlar a expectativa de inflação e permitir a queda de juros.
Valor: A escolha de um nome divergente daquilo que o mercado espera para a Diretoria de Política Monetária do BC pode agravar o cenário de desancoragem?
Meirelles: Certamente seria negativo. Mas é preciso separar esse assunto da independência do BC. De acordo com a lei brasileira, o BC é independente na execução da política. A nomeação de presidentes e diretores é uma prerrogativa do presidente da República, com aprovação do Senado. Não faz parte da lei que o BC possa nomear seus próprios diretores. Dito isso, colocar diretores que têm linha divergente da atual administração do BC, em um primeiro momento, não traria grandes efeitos porque eles seriam minoria. Agora, há efeitos na curva de longo prazo, porque as expectativas do mercado mais à frente, principalmente para a substituição do Roberto Campos Neto, passariam a ser negativas.
Valor: Vimos o próprio BC comentando na ata sobre o pacote de medidas que a Fazenda divulgou para tentar amenizar o déficit. Como o sr. avalia o pacote?
Meirelles: Reduz um pouco o déficit, mas é necessário ir bem mais longe. Acredito que o governo federal tem todas as condições necessárias de fazer uma reforma administrativa, por exemplo, nos termos daquela que foi feita em São Paulo. É algo totalmente viável e realmente possível de fazer. Por exemplo, a empresa criada há cerca de dez anos para construir o trem bala entre o Rio de Janeiro e São Paulo se mostrou um projeto inviável e foi abandonado. No entanto, existe a empresa, com funcionários, orçamento, prédio e despesas de água, luz, telefones, automóvel. Tudo isso é algo que pode ser cortado. Temos que ir um pouco mais longe nesse corte de despesas e, aí sim, gerar a segurança fiscal de uma queda gradual da dívida.
Valor: O governo, neste momento, parece dar prioridade à reforma tributária e à âncora fiscal. Como o sr. tem acompanhado a discussão?
Meirelles: A reforma tributária é importante, desde que seja ampla, simplificadora, como já há projetos na Câmara e no Senado. Inclusive, há um substitutivo apresentado à PEC 45 na Câmara e à PEC 110 no Senado por todos os Estados de forma unânime. A criação da nova âncora fiscal também é muito importante e ela deve ser diretamente relacionada às despesas. Não adianta o governo tentar colocar meta no que ele não controla. Meta em receitas, por exemplo. Eu trabalhei com meta de superávit primário, mas isso é um problema. Você acaba tentando controlar coisas que não são controláveis. O que o governo pode controlar diretamente é a despesa. E uma reforma administrativa também é importante.
Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/02/08/bc-tem-razao-ao-adotar-um-tom-mais-duro-diz-meirelles.ghtml
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