Folha
No fim do século 18, o Brasil exportava 40% do algodão que dava entrada em Liverpool, a principal cidade produtora de tecidos desse tipo de fibra na Inglaterra. O país era, assim, o maior fornecedor individual de uma das matérias-primas essenciais para a Revolução Industrial.
O historiador econômico e professor da FGV de São Paulo Thales Zamberlan Pereira publicou, em 2020, o estudo “Tributação e a estagnação das exportações de algodão no Brasil, 1800-1860”, na prestigiosa revista Economic History Review.
O estudo foi agraciado, em 2021, com o prêmio Ashton, concedido ao melhor artigo de jovem pesquisador publicado na revista no biênio.
No trabalho, Thales documenta que houve uma forte queda das exportações brasileiras de algodão na primeira metade do século 19, na direção contrária do que ocorreu com os EUA e outros produtores, que experimentaram expressiva elevação das exportações. Adicionalmente, há evidências para o fim do século 18 de progresso tecnológico na produção brasileira.
A queda não foi fruto de fretes marítimos elevados. Pelo contrário, o algodão do sul dos EUA pagava fretes mais caros do que as exportações brasileiras. Também os problemas não derivavam das precárias condições de transporte, no Brasil, entre as áreas de produção e os portos. Esse custo de transporte era baixo para o algodão. Finalmente, não havia sinais de que o câmbio estivesse valorizado.
A culpa pela queda nas vendas do produto brasileiro, mostra o pesquisador, foi das elevadas alíquotas do imposto de exportação, que geravam ganhos menores para os produtores de algodão do Maranhão ou de Pernambuco.
Como havia competição, o preço em Liverpool era o mesmo, como em geral ocorre com as matérias-primas. Maiores impostos, portanto, tinham como principal efeito a redução da rentabilidade da cultura de algodão no Nordeste brasileiro, em especial no Maranhão.
Após a elevação da tributação das exportações —que se manteve por décadas— com a vinda da família real em 1808, houve um descasamento entre a produtividade da cultura algodoeira do Sul dos EUA e a produtividade dessa mesma cultura no Nordeste brasileiro. A partir de meados da década de 1830, a elevada tributação das exportações praticamente inviabilizou a produção no Maranhão.
Na semana passada, para tentar garantir algum equilíbrio fiscal e em reação ao fato de a reoneração dos combustíveis não ter sido plena, o ministro da Fazenda decidiu impor uma alíquota sobre a exportação de petróleo.
A imposição representa clara quebra contratual: quando as petroleiras entraram no leilão para a concessão de blocos de petróleo, as exportações não eram tributadas. Certamente a medida será judicializada.
A argumentação de que os lucros estão muito elevados não parece proceder. O preço do petróleo é muito variável. Se a cada vez que o preço subir o governo aumentar a alíquota de exportação, poderemos contar que ele irá subsidiar a produção, quando o preço cair?
Se há a avaliação de que a rentabilidade do setor é, na média do ciclo econômico, muito elevada, então os parâmetros tributários dos próximos leilões podem ser ajustados. O que não faz sentido é, de maneira discricionária, procurar uma base tributária qualquer para tapar o buraco fiscal. A piora que esse tipo de decisão provoca no marco legal e institucional supera o ganho de receita.
Em tempo, Thales Pereira publicou no ano passado, em coautoria com Rafael Cariello, o livro “Adeus, Senhor Portugal”, uma história da Independência brasileira, resenhado na coluna de 3 de setembro passado.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2023/03/imposto-sobre-exportacao-de-materias-primas.shtml
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