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Indústria — mais um cavalo passando encilhado

Para os EUA, ter a América Latina como fornecedor preferencial é estratégico do ponto de vista econômico, social e geopolítico

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski

Globo

A insegurança voltou para a pauta.

Lideranças de muitos países surpreenderam-se diante dos desafios colocados a partir dos eventos da pandemia de Covid-19 e da guerra no Leste Europeu.

A ruptura das cadeias produtivas, a começar pelos suprimentos da indústria da saúde, a indisponibilidade de microprocessadores, a falta de energia na Europa determinaram a desaceleração da economia, que explicitou a desigualdade da sociedade global.

Somam-se a esse cenário as tensões entre China e EUA, o agravamento da crise climática e a ausência de mecanismos de governança multilateral, fazendo com que os principais polos desenvolvidos do planeta redesenhem suas estratégias, contrapondo economias e riscos decorrentes da globalização.

O desafio não é pequeno e traz como um de seus objetivos o aumento de produtividade proporcionado pela integração mundial, ingrediente necessário para o bem-estar da sociedade, garantindo a segurança demandada pelo cenário geopolítico e eliminando os fatores do agravamento climático.

Em recente artigo, a revista The Economist afirma que novos investimentos, há algumas décadas dirigidos à China, são hoje alocados para uma região chamada Altasia, à procura de fatores de produção de menor custo e mais distantes de disputas políticas com o Ocidente.

A Altasia, que cobre desde Hokkaido, no norte do Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas, Indonésia, Cingapura, Malásia, Tailândia, Vietnã, Camboja, até a Índia, é um conjunto de áreas com competências diversas, preparadas para desenvolver bens de alta tecnologia e oferecer mão de obra mais competitiva que a China.

Outra característica importante é que a Altasia vem acelerando sua integração econômica. Parte dos países assinou a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), que inclui a China, além do Acordo para a Parceria Transpacífico, que inclui Canadá, Chile, México e Peru.

O crescimento da indústria brasileira continua lento e, não obstante seu tamanho e importância, permanece na vizinhança do 34º lugar no ranking global de exportação de manufaturados em 2021 (0,47% da exportação global, segundo o Iedi), mantendo a percepção da difícil tarefa que nos espera.

Há uma grande oportunidade com a criação de novas cadeias produtivas que, certamente, podem priorizar a América do Norte e a Europa, tendo como base a América Latina. Nela em especial se insere e brilha o Brasil como país que ainda acumula maior capacidade industrial.

Para os Estados Unidos, ter a América Latina como fornecedor preferencial é estratégico do ponto de vista econômico, social e geopolítico. O Brasil democrático e próspero poderia absorver parte do contingente de trabalhadores que hoje pressiona a fronteira para buscar melhores condições de vida do outro lado do Rio Grande. O México já vem se aproveitando de investimentos produtivos outrora localizados na China, com políticas claras e ações eficazes. E o México, respeito à parte, apesar de suas qualidades, está longe de poder oferecer um conjunto mais completo que o brasileiro, aí incluído nosso potencial de geração de energia renovável.

Há muito a fazer por uma agenda conhecida que vem sendo protelada. Estabilidade macroeconômica, reformas que induzam aumento de produtividade, uma nova visão de integração internacional. É preciso entender que as velhas formulações de política industrial baseadas em subsídios e protecionismo custarão muito caro e nos afastarão do objetivo de aproveitar o momento criando a indústria do futuro, baseada em ciência, inovadora e sustentável.

Aquilo que hoje escutamos no país nos remete à dolorosa pergunta: seria possível desatinadamente o Brasil perder mais esse bonde na nossa História?

Linkd da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/03/industria-mais-um-cavalo-passando-encilhado.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos