Pesquisa inédita sugere que o art. 20 da nova LINDB pôs o dedo na ferida
JOTA
Há cinco anos, a Lei 13.655 reformou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Desde então, ela tem influído amplamente no debate acadêmico e já inspirou outras reformas, como nas Leis da Improbidade e das Contratações Públicas, ambas de 2021.
Há um ponto em que a obediência à lei ainda parece incerta. A nova LINDB, em seu art. 20, exigiu que o gestor, o juiz ou o controlador, antes de decidirem “com base em valores jurídicos abstratos”, considerem as possíveis “consequências práticas” das decisões que imaginarem.
Ao contrário do que alguns críticos andaram dizendo, a norma não mandou desprezar as regras jurídicas e analisar consequências. Tratou de coisa bem diversa: das decisões construídas a partir de princípios abertos.
E o que ela disse? Que o juízo de adequação jurídica de tais decisões não pode se limitar à análise da compatibilidade lógica entre seu conteúdo e os valores jurídicos que a autoridade quer proteger.
Para o art. 20 da nova LINDB, o juízo tem de ir mais longe, testando ainda a adequação das consequências prováveis das decisões. Isso não é simples, como acadêmicos vêm apontando (uma síntese neste artigo de Fernando Leal). Mas é vital. A função pública não é para ser fácil.
Só que parece haver problema maior, revelado em pesquisa sobre os posicionamentos éticos dos brasileiros, que Álvaro Machado Dias e Hélio Schwartsman conceberam e divulgaram em artigo na Folha de S.Paulo.
Para julgar se uma ação é certa ou errada, 66,1% dos brasileiros preferem fazê-lo com base na intencionalidade de quem a pratica, não nas consequências que ela provoca (logo, brasileiros são mais principistas). De outro lado, apenas 33,9% priorizam as consequências (são mais consequencialistas).
Esses dados sugerem que, contrariando o art. 20 da nova LINDB, cerca de 2/3 dos gestores, juízes e controladores do Brasil tendem a decidir como se consequências importassem menos do que intenções.
Mais um dado da pesquisa, a que tive acesso pelo próprio Hélio Schwartsman, levanta outra preocupação. Os principistas tendem a enxergar o mundo com lentes bem mais negativas: entre consequencialistas, há equilíbrio entre os que vêm o mundo como aprazível ou hostil (31% x 32%); já entre principistas, a visão pessimista predomina com folga (36%) sobre a otimista (24%).
É possível inferir, então, que gestores, juízes e controladores principistas (cerca de 2/3 do total) tendem a intervir bem mais que os consequencialistas nas situações do mundo, pois costumam vê-las como negativas.
A mistura é arriscada: agentes públicos com mais incentivos para agir como reformadores do mundo (lembrando aqui a imagem de Monteiro Lobato) valorizam mais as próprias intenções do que as consequências que suas decisões de fato geram.
Quer dizer: para a nova LINDB pegar em definitivo, tem de haver um maciço esforço de demonstração do valor do consequencialismo no campo público. Um desafio, mas é o caminho para fazer as autoridades diminuírem os desvios na aplicação dos famosos princípios.
Link da publicação: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/consequencias-importam-18042023
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