Entrevistas

Abandonar a meta de déficit zero pode levar o Banco Central a reduzir o ritmo de cortes da Selic, alerta Armínio Fraga

Presidente Lula rejeita o histórico de seus dois governos ao minimizar a importância de reequilibrar as contas públicas, segundo o ex-presidente do Banco Central

Globo

Na visão do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rejeita o próprio passado na área fiscal ao diminuir a importância de zerar o déficit primário no ano que vem. Segundo Fraga — que declarou publicamente apoio a Lula nas últimas eleições — uma das consequências do aumento desse risco é o Banco Central diminuir o ritmo de cortes da taxa Selic, que vem sendo feito em meio ponto nas últimas reuniões do Copom.

— O Banco Central tem por prática, em cada reunião, reavaliar o cenário. Poderia cortar mais, poderia cortar menos. A probabilidade de o BC cortar menos a taxa Selic parecia ser próxima de zero. Agora, não dá para mais para dizer isso — afirmou Fraga.

Essa mudança de postura, contudo, só aconteceria no ano que vem, e não na reunião de quarta-feira. A expectativa do próprio mercado financeiro é que a Selic seja reduzida de 12,75% para 12,25%. Segundo Fraga, Lula mudou de postura em relação à política fiscal depois que ganhou as eleições.

— Desde eleito, o presidente vem rejeitando o que foi o histórico dele. Ele fez questão de lembrar na campanha que não era para se preocupar com o compromisso fiscal, que ele teve superávit primário em todos os anos dos seus dois mandatos. Depois, apareceu com postura totalmente diferente, de conotação heterodoxa, e, no fundo, inconformado com a responsabilidade fiscal, como se isso fosse um atentado contra o povo, coisa que ele já devia saber que não é o caso — afirmou Fraga.

Fraga pontua que o novo arcabouço fiscal já não estava “à altura” do desafio, por ter como ênfase o aumento de arrecadação, e não o corte de despesas. Agora, teme que as metas, que já eram modestas, na sua avaliação, sejam abandonadas.

— O arcabouço marcou uma mudança de direção, mas claramente não foi resposta à altura do desafio. Tenho me manifestado publicamente a favor, mas sempre registrando que era um bom início, bom princípio, mas que não iria resolver. De lá para cá ficou claro que o lado do gasto público (de contenção) nunca veio, talvez não houvesse essa intenção, e agora mesmo essas metas, que a meu ver são modestas, estão sendo, pelo visto, abandonadas — afirmou.

Sobre a indicação dos dois novos diretores do Banco Central pelo governo, Paulo Pichetti, para a diretoria de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, ​e Rodrigo Teixeira, para a diretoria de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, Fraga diz que ambos nomes foram bem recebidos.

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