Ex-presidente do Banco Central afirma que presidente tem razão ao pedir que população busque alimento mais barato
Valor
Crítico da política fiscal do atual governo, que pressiona a política monetária, Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e fundador da Gávea Investimentos, reconheceu que “não há milagre” no enfrentamento à inflação de alimentos, mas revelou concordar com a sugestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à população brasileira de procurar produtos mais baratos no caso de alta de preços.
“Inflação de alimentos é parte do mundo da inflação. Não tem milagre. […] O presidente Lula apanhou quando falou para as pessoas procurarem outro alimento. Mas ele tem razão, o preço dos alimentos varia. Ele não tem sido muito feliz em algumas declarações, mas isso está correto. É assim que o mercado funciona”, disse, antes de participar da aula magna da segunda turma de graduação em matemática da tecnologia e da inovação, no Impa Tech, no Rio.
Em sua apresentação aos cerca de 200 alunos de 22 Estados, Arminio se disse preocupado com a falta de ideias do governo Lula e avaliou que o presidente não repete, nesta gestão, o desempenho de seus mandatos anteriores na Presidência.
O economista condenou o atual nível das taxas de juros no país – em um contexto em que há descompasso com a política fiscal -; classificou como muito frágil a situação fiscal do Brasil; disse que falta uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo e que “os sintomas do paciente Brasil são extremamente graves”.
“No Brasil, sou um admirador da história do presidente Lula, mas acho que ele não está repetindo o desempenho que teve nas presidências anteriores. O entorno é mais difícil, não tem controle do Congresso, mas mesmo assim a falta de ideias me parece bem preocupante”, disse.
No início de fevereiro, Lula recomendou que os brasileiros não comprassem certos alimentos se julgassem que o preço estava alto: “Tenho dito sempre o seguinte: uma das coisas mais importantes para controlar o preço é o próprio povo. Se desconfia que tal produto está caro, não compre”.
Arminio Fraga ponderou que os preços de alimentos são voláteis e influenciados por diferentes aspectos, como cotações internacionais, câmbio e fatores climáticos. Perguntado sobre a mudança no imposto de importação para alguns itens, disse que medidas pontuais podem afetar investimentos:
“Há anos sou a favor de redução de tarifas de importação, mas não gosto de medidas pontuais porque dão a impressão de que vão resolver o problema a médio prazo. O certo seria uma revisão mais ampla”.
Arminio classificou como “problema sério” o atual nível de juros: “Sem fazer nada ganha 15%”. “Os sintomas do paciente Brasil são extremamente graves. E os sintomas de crescimento… Não conseguiu manter o crescimento. Não estou muito confortável”, afirmou.
Sou a favor de redução de tarifas de importação, mas não gosto de medidas pontuais”
O ex-presidente do Banco Central citou como positivas medidas como a reforma da Previdência, a Lei das Estatais e o marco do saneamento, mas disse que desde essa época não há “estratégia de desenvolvimento de longo prazo”.
“Não vejo hoje uma visão, uma estratégia de desenvolvimento. Precisa ter prioridade no gasto público, eficiência no gasto público. Aí a coisa pode andar.”
Na conversa com os alunos do Impa Tech, com o tema “Por que não aprendemos? 43 anos de colapso do crescimento”, Arminio mencionou o gasto de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) com gastos tributários – ou subsídios, como descreve -; o buraco “enorme” da Previdência, que exigirá uma nova reforma; e a situação fiscal.
“Temos uma situação fiscal muito, mas muito frágil, que pressiona as taxas de juros. Temos a maior taxa de juros do planeta. Não é maldade do Banco Central, pode ter certeza”, ao fazer referência ao descompasso entre as políticas monetária e fiscal no país.
O ex-presidente do Banco Central defendeu “uma reforma do Estado para valer”, que possa melhorar os gastos públicos, o que é diferente do “desmantelamento” do Estado que Donald Trump promove nos Estados Unidos.
“[O Estado brasileiro] está de bom tamanho para a gente, não precisa diminuir, mas precisa melhorar. Precisa de menos subsídio para rico, mais gasto em infraestrutura, mais gasto em ciência básica, mais qualidade em tudo o que é feito. Tudo o que é feito precisa ser analisado e avaliado”, afirmou.
Na sua análise, o segundo mandato de Trump na Presidência dos Estados Unidos gera incerteza em um cenário global que já era pior, porque tinha ficado para trás “a visão de um mundo com países competidores no mercado e democráticos”. Ele vê com preocupação o aumento do protecionismo e disse que “a cara está bem ruim” ao falar sobre o mundo com Trump:
“Era um quadro já ruim. De repente, aparece Trump, um gerador de muita incerteza, que adotou uma estratégia de isolamento americano, sob o pretexto de que isso vai atrair investimentos. Isso tudo está com cara bem ruim.”
Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/03/18/inflacao-de-alimentos-nao-tem-milagre-diz-arminio.ghtml
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