Entrevistas

O tombamento que amoleceu a ditadura

Medida impediu que colégio Caetano de Campos fosse engolido pelas obras do metrô

Folha

Alguns acontecimentos podem parecer secundários, mas são estratégicos e capazes de mudar a história. É o caso da luta para proteger o prédio da escola Caetano de Campos, ameaçado, em 1975, de ser derrubado para dar lugar à estação República da linha vermelha do metrô.

Desde o AI-5 não se via uma mobilização popular tão vigorosa. E não se tratava de uma disputa expressamente política, mas da defesa do patrimônio histórico. O Caetano de Campos era considerado o melhor colégio de São Paulo e funcionava no imóvel desde 1894. Seu projeto arquitetônico foi feito pelo escritório de Ramos de Azevedo.

Na época, o país era governado pelo general Ernesto Geisel e havia algumas demonstrações de mudança de ânimo. Um ano antes, Orestes Quércia (MDB) havia conseguido uma vitória acachapante sobre Carvalho Pinto (Arena), candidato da situação, numa disputa ao Senado. Ninguém se atrevia, porém a desafiar o regime de frente. A ditadura ainda fazia valer sua vontade.

Mas aí veio o Caetano de Campos. Quem lembra em detalhes da luta para protegê-lo é o advogado Modesto Carvalhosa, de 93 anos, que presidiu a combativa associação dos ex-alunos da escola naquele ano. Ele lembra que o então presidente do Metrô, Plinio Assmann, “um sujeito arrogante e insuportável”, decretou que iriam demolir o colégio de qualquer jeito para fazer a estação.

“Criamos um movimento, com o forte apoio da imprensa, que começou a levar o assunto diariamente para as primeiras páginas, e mostramos que era um absurdo destruir um símbolo da República para fazer uma estação. A reação foi muito grande, a população nos apoiou e a sociedade começou a reagir”, conta.

Carvalhosa foi procurado pela professora de antropologia da USP Eunice Durham, que ofereceu total apoio à associação. Disse que aquele era o primeiro movimento civil contra a ditadura cujo discurso não era político, mas de contestação a um ato administrativo. O que se exigia era que o Metrô voltasse atrás e preservasse o prédio do colégio.

O transporte metroviário, porém, era um grande tema e simbolizava o desenvolvimento da cidade. O ambiente ainda era ditatorial, com o governo fazendo o que lhe desse na telha. Mas a associação promoveu várias manifestações na praça da República e lotou as galerias da Assembleia Legislativa em repúdio à medida. Entrou também com uma ação popular pedindo a suspensão da decisão do Metrô.

O governo contratou o jurista Hely Lopes Meirelles para se defender e ele argumentou que nenhum ato administrativo havia declarado o edifício da escola patrimônio histórico. Recebeu como resposta que nem as pirâmides do Egito nem a tumba de Tutancâmon precisaram de uma medida burocrática para serem consideradas monumentos.

“Daí o juiz me chamou e disse que iria conceder a liminar, mas alegou que seria muito difícil, que ele sofreria represálias”, lembra Carvalhosa. “Foi quando surgiu a ideia genial de tombar o imóvel, encampada pelo governador Paulo Egydio Martins e pelo prefeito Olavo Setúbal.”

O juiz cancelou a demolição e o processo de tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) foi iniciado em novembro de 1975. Mas o secretário de Educação José Bonifácio Coutinho Nogueira, que era contra a ideia, tirou a escola do prédio, por vingança, e o transformou na sede da secretaria da Educação, espalhando os alunos em três estabelecimentos. Seja como for, o metrô teve que mudar de rota.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/andancas-na-metropole/2025/06/o-tombamento-que-amoleceu-a-ditadura.shtml

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