Chefe do Itamaraty e ministro do Desenvolvimento nos governos Collor e FHC, Celso Lafer afirma que jamais viu tamanha intromissão de um presidente sobre outra nação. Para ele, governo precisa ouvir setor produtivo para dar resposta
NeoFeed
Ministro das Relações Exteriores nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) na gestão FHC, Celso Lafer afirma que jamais viu, no mundo diplomático, uma ação semelhante à do presidente americano Donald Trump, ao anunciar a imposição de tarifa de exportação de 50% aos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.
Em entrevista ao NeoFeed na quinta-feira, 10 de julho, dia seguinte ao tarifaço de Trump, Lafer afirma que, ao adotar critério político e criticar o sistema judiciário brasileiro, o presidente americano fere as regras do comércio internacional.
“Isso mostra que Trump é um decisionista, que não quer se submeter a regras internas e internacionais. Ele quer definir as ações ao sabor das circunstâncias, levando em conta quem são seus amigos e quem são seus inimigos”, diz ele. “É uma carta inédita, e do ponto de vista diplomático, um despautério.”
Segundo o ex-chanceler, o líder da Casa Branca também “propaga fake news”, ao dizer, de forma equivocada, que a balança comercial entre os dois países estaria desproporcional em favor do Brasil. Desde 2009, o Brasil importa mais do que exporta em relação aos Estados Unidos.
No ano passado, o volume foi de US$ 40,3 bilhões em produtos exportados, contra US$ 40,58 bilhões em importação, o que gerou um déficit comercial de US$ 253 milhões para o Brasil.
com divisão de poderes, com judiciário independente. E não é uma manifestação externa que vai alterar esse fato”, afirma Lafer.
Segundo ele, o governo federal deve chamar à mesa o setor produtivo, principalmente os segmentos mais afetados pelo tarifaço, para ouvir o real impacto da medida e discutir uma solução a ser adotada como resposta à medida de Trump.
“Aço, alumínio, café e o agronegócio como um todo são itens fortes que serão impactados. Por isso que é preciso medir qual o ponto de calibração do Brasil, para dar essa resposta correta”, diz o ex-chanceler.
A seguir, acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
Como o senhor enxergou o conteúdo da carta do presidente Donald Trump?
É uma carta inédita, e do ponto de vista diplomático, um despautério. Na parte referente às tarifas e a balança comercial, Trump propaga fake news, porque os Estados Unidos têm tido, nos últimos anos, um superávit comercial em relação ao Brasil.
E o conteúdo político?
O documento também traz uma inaceitável inserção no sistema político e judiciário brasileiro. O presidente americano parece não levar em conta que o Brasil é uma democracia, com divisão de poderes, com judiciário independente. E não é uma manifestação externa que vai alterar esse fato.
Nesses termos, em que a questão ideológica foi colocada acima da relação comercial, é possível pensar em contrapartida?
Além de uma intromissão grande na divisão dos poderes, mostra uma tentativa de interferência no processo eleitoral e político do Brasil, quando Trump declara preferência ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Nesse sentido, é difícil negociar. O governo tem reagido com firmeza e procurado pautar da melhor maneira como será a resposta brasileira.
Do ponto de vista econômico, o que o governo brasileiro deve adotar em resposta à decisão da Casa Branca?
Do lado econômico, as negociações comerciais se baseiam na reciprocidade, e isso acontece pela identidade ou pela equivalência das ações. E ela tem, pela sua própria natureza, uma dimensão de racionalidade e de previsibilidade. A carta de Trump não atende a esses dois requisitos.
Na sua visão, o governo deve adotar a lei da reciprocidade e taxar em 50% os produtos americanos que entram no Brasil?
Entendo que o governo brasileiro saberá avaliar qual é a melhor reação de reciprocidade a ser concebida, levando em vista os interesses do Brasil. O momento é de analisar com detalhes e fazer um estudo apropriado sobre os impactos da decisão do presidente Trump. O fato é que os setores serão atingidos de maneira distinta. Aço, alumínio, café e o agronegócio como um todo são itens fortes que serão impactados. Por isso que é preciso medir qual o ponto de calibração do Brasil, para dar essa resposta correta.
Há alguma alternativa imediata que o governo federal deveria adotar para proteger as empresas brasileiras, antes mesmo de decidir sobre a resposta aos Estados Unidos?
O governo deve chamar a iniciativa privada e ouvir diretamente o que pensam os setores produtivos, principalmente aqueles que serão mais afetados pela medida adotada pelo governo do presidente Trump. As empresas podem indicar caminhos para uma alternativa mais viável e que impacte menos a economia brasileira. Elas precisam ser ouvidas neste momento.
No tempo em que o senhor atuou tanto no MDIC como no Itamaraty, o senhor já viu algo parecido com essa decisão do governo Trump?
Eu já vi dificuldades na relação entre países, mas nunca vi nada parecido. Isso mostra que Trump é um decisionista, que não quer se submeter a regras internas e internacionais. Ele quer definir as ações ao sabor das circunstâncias, levando em conta quem são seus amigos e quem são seus inimigos. Com isso, ele gera uma incerteza crescente no plano mundial. Isso também gera uma dificuldade na avaliação dos riscos de seus desdobramentos.
Link da publicação: https://neofeed.com.br/economia/a-visao-do-ex-ministro-celso-lafer-sobre-trump-ele-propaga-fake-news-e-nao-cumpre-regras/
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.