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Estadão

Nova PEC sobre precatórios abala o frágil aparato fiscal

Enquanto, por bons motivos, a atenção do público e dos analistas se direciona às tarifas impostas pelos EUA às exportações brasileiras, o Congresso – com o Executivo docemente constrangido – prepara mais um afrouxamento do nosso já relaxado aparato fiscal.

Foi aprovada em dois turnos na Câmara, e devidamente encaminhada ao Senado, nova Proposta de Emenda Constitucional referente ao pagamento de precatórios, inclusive os federais. Até 2026, por decisão do Onipotente Supremo Tribunal Federal (apenas “Supremo” não mais descreve o atual status do Excelso Pretório), cerca de metade destes pagamentos não serão considerados para fins de aferimento da meta fiscal.

De forma mais simples, ao verificar se o resultado do Tesouro Nacional se encontra de acordo com a meta definida, diga-se, pelo próprio governo, é possível excluir tais gastos. Não que tenham deixado de existir: apenas permite-se que o Tesouro se gabe de ter atingido um resultado melhor do que aquele registrado pela fria contabilidade pública, que, aliás, é o que interessa para determinar se a dívida pública aumenta ou diminui.

Já a partir de 2027, graças à PEC, os precatórios de responsabilidade da União ficarão fora do limite de gastos (o avacalhado Novo Arcabouço Fiscal, NAF) e apenas parcialmente contabilizados para fins de aferição da meta (10% no primeiro ano, 20% no segundo e assim por diante).

Na prática, portanto, o Tesouro poderá registrar resultados abaixo das metas fiscais.

Por exemplo, em 2027, quando a meta fiscal requer superávit de 0,5% do PIB (cerca de R$ 75 bilhões), será possível abater dela 90% do montante de precatórios a serem pagos. Segundo as projeções da Lei de Diretrizes Orçamentárias, trata-se de valor na casa de R$ 124 bilhões, ou seja, serão abatidos da meta R$ 111 bilhões. Ou seja, mesmo um déficit de R$ 36 bilhões (75 – 111) poderá ser comemorado como se superávit fosse.

Há certa controvérsia, mas, segundo a opinião de alguns analistas, também a exclusão dos precatórios do limite de despesas permitirá espaço para algum gasto adicional, porque, afinal de contas, que mal faz, né?

A ginástica contábil, contudo, não muda a trajetória do endividamento público. Com ou sem PEC, NAF, OSTF ou qualquer outra sigla, a dívida seguirá crescendo à frente do PIB e, com ela, também a percepção de risco.

Quando quiserem entender as razões para poupadores só emprestarem ao Tesouro a juros reais superiores a 7% ao ano, não olhem para o BC; o culpado também mora em Brasília, mas em outro endereço.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/pais-matemagica/

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Alexandre Schwartsman