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Precisamos de um VAR da despesa pública

Instituição autônoma de estimação de custos ajudaria a evitar bombas fiscais

Folha

O equilíbrio fiscal brasileiro sofre com o fato de o Congresso ter muitos incentivos a gastar, com pouca responsabilização pelos efeitos negativos do déficit. O problema tem se agravado nos últimos anos devido, por um lado, ao aumento de poder político do Congresso e, por outro, à intensificação da polarização política entre presidentes populistas, à esquerda e à direita, que se lançam em um leilão de distribuição de benefícios.

PEC KamikazePEC da Transição, perpetuação de benefícios criados na pandemia, emendas parlamentares, honorários advocatícios para advogados públicos, subsídio para o carvão em projeto ambiental, isenção fiscal para igrejas… o que se apresenta para votação no Congresso passa fácil, com quase unanimidade.

Adicione-se a judicialização das políticas públicas, como no caso do BPC (Benefício de Prestação Continuada) a deficientes: mais de 25% das concessões se dão pela via judicial.

A imunidade do sistema ao oportunismo está cada vez mais baixa, com sinais de descontrole. Nas últimas semanas tivemos várias decisões de alto custo.

Foi sancionada lei que considera como “deficiência” a “síndrome de fibromialgia ou fadiga crônica ou síndrome complexa de dor regional ou outra doença correlata“. Os portadores de baixa renda terão direito ao BPC. Com a definição aberta e imprecisa, fica fácil obter atestado médico sob medida para a concessão judicial, em caso de recusa administrativa. O mesmo já vem ocorrendo com o diagnóstico de autismo, igualmente de difícil caracterização, responsável por crescentes concessões de BPC. O impacto fiscal pode ser de dezenas de bilhões por ano. Há proposta similar para o diabetes.

STF (Supremo Tribunal Federal), por sua vez, considerou inconstitucional a exigência de carência para que contribuintes individuais à previdência tenham direito ao auxílio-maternidade: constatada a gravidez, bastará uma única contribuição de R$ 76, como microempreendedora individual, para que uma mulher receba 1 salário mínimo por quatro meses. As trabalhadoras CLT também poderão fazer uma contribuição e receber dois benefícios, um como empregadas e outro como autônomas. Impacto estimado de R$ 15 bilhões por ano.

Avançam projetos fixando pisos salariais para médicos, dentistas, fisioterapeutas, garis e funcionários administrativos da educação. O custo bate nos estados e municípios, que conseguem repassá-lo ao governo federal. A aposentadoria especial para agentes comunitários de saúde e de endemias está para sair. Fundo carimbando recursos para pagar extras aos procuradores federais foi aprovado pela Câmara.

A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a Constituição exigem que se façam estimativas de custos. A LRF também exige compensações quando há impacto fiscal nos projetos. Essa legislação, contudo, virou letra morta.

Para frear o descontrole, deveríamos delegar a estimativa de impacto fiscal a uma instituição autônoma. Qualquer proposição poderia ser sobrestada por 60 dias, mediante requerimento de um quinto dos deputados ou senadores, para estimativa de custos. O Judiciário também poderia solicitar cálculos, para embasar suas decisões.

Se, feitas as contas, os tomadores de decisão insistirem em seguir no rumo desastroso, pelo menos saberão o que estão fazendo. Seria uma espécie de VAR, para ajudá-los a pensar melhor. O prazo de 60 dias evitaria aprovações açodadas, passando boiadas, como gostam os lobbies.

A IFI (Instituição Fiscal Independente) poderia assumir esta função, desde que saísse de dentro do Senado e passasse a ser uma agência autônoma.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/07/precisamos-de-um-var-da-despesa-publica.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Marcos Mendes