Os rendimentos continuam parecidos até 32 anos de idade, mas a partir daí o rendimento do trabalho com carteira continua a crescer, ao passo que o dos por conta própria estabiliza
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As novas gerações têm ambições bem diferentes das anteriores. Enquanto as gerações mais antigas almejavam um emprego fixo com carteira assinada, ou no setor público, os jovens de hoje querem trabalhar por conta própria, sem patrão. E são muito impacientes, pensam pouco no futuro. Mas isto tem consequências importantes para as finanças públicas no longo prazo, especialmente para a Previdência. Quais são estas consequências? Como poderíamos para evitá-las?
O Brasil progrediu muito em termos sociais nas últimas décadas. Quando a fome não é mais uma restrição, as pessoas passam a sonhar com coisas melhores para a sua vida e querem atingi-las rapidamente. Assim, as novas gerações, nascidas em famílias vulneráveis, não se contentam mais com um emprego com patrão, ganhando um salário mínimo, ou com o Bolsa Família. Querem ter um celular bom, se conectar com mundo, consumir, empreender, serem donas do seu próprio futuro.
Além disto, os brasileiros já são naturalmente um dos povos mais impacientes do mundo. Um estudo que comparou habitantes de vários países usando métodos sofisticados mostrou que entre os 76 países analisados, os brasileiros ficaram entre os 20 mais impacientes1. A grande maioria dos brasileiros não está disposta a desistir de algo que é benéfico para eles hoje, para se beneficiar mais disto no futuro. Este estudo também mostra que pessoas mais impacientes poupam menos e passam menos tempo na escola.
Ao mesmo tempo, em cima de todo este contexto, várias mudanças na legislação trabalhista foram sendo introduzidas por aqui nas últimas décadas. No final de década passada foi criada a categoria de microempreendedor individual, uma alternativa à carteira assinada em que a pessoa paga apenas um valor simbólico de contribuição previdenciária e impostos. Mais recentemente, surgiram também os trabalhos por aplicativo, como a Uber, 99 Taxi e iFood, em que os motoristas não têm praticamente nenhum direito trabalhista.
A maior parte dos trabalhadores não quer se precaver de eventos negativos no futuro, quer mais dinheiro agora
Quais as consequências destas novas modalidades de trabalho? Do ponto de vista do trabalhador, depende muito da modalidade. No caso dos MEI, muitos trocaram um emprego com carteira para prestar serviços para empresas, a fim de ganhar um salário líquido maior, com menos direitos, mas com menos impostos. Para as empresas, esta troca também é vantajosa, pois elas pagam menos encargos e tributos. Uma parte dos trabalhadores por conta própria não têm outra opção, pois não conseguiriam um emprego formal. Mas os demais trabalhadores, que são conta própria por opção e não prestam serviços para empresas, podem estar iludidos com a perspectiva de ganhar mais dinheiro no curto prazo.
O gráfico compara os rendimentos médios das pessoas que têm um emprego com carteira de trabalho assinada com os que trabalham por conta própria, entre 22 e 42 anos de idade, usando dados da Pnad Continua, desde 2001 até 2023. É importante ressaltar que não estamos acompanhando as mesmas pessoas ao longo do tempo e que muitas delas mudam de ocupação ao longo da vida. Ainda assim, os números são ilustrativos. Podemos ver que no início da vida laboral, o trabalho formal e o por conta própria têm rendimento brutos parecidos. Isto significa que o trabalho por conta própria pode ter um rendimento líquido maior, por conta do maior imposto de renda no setor formal. Os rendimentos continuam parecidos até 32 anos de idade, mas a partir daí o rendimento do trabalho com carteira continua a crescer, ao passo que o dos trabalhadores por conta própria estabiliza.
Na hora de decidir a melhor alternativa de emprego, os brasileiros teriam que calcular o valor presente dos seus rendimentos ao longo da vida. Mas é aí que entra a questão da impaciência.
A maior parte dos trabalhadores não quer se precaver para poder enfrentar eventos negativos no futuro, quer mais dinheiro agora. Assim, preferem trabalhar por conta própria em aplicativos, pensando que esta modalidade sempre lhe será vantajosa. Recentemente, o governo tentou regular este tipo de trabalho, incluindo uma pequena contribuição previdenciária, mas os próprios motoristas foram contra.
Além da questão individual, do ponto de vista agregado a conta também não fecha. Tanto o MEI como o trabalhador por aplicativo irão causar grandes prejuízos para as contas públicas. No caso da MEI, as pessoas recolhem somente cerca de R$ 80 por mês e, se contribuírem por pelo menos 180 meses, terão direto a uma aposentadoria de um salário mínimo a partir de 65 anos pelo resto da vida. O rombo atuarial é enorme. E, mesmo assim, a inadimplência é de 40%. Além disto, grande parte dos motoristas de aplicativos não contribui para a Previdência. Ou seja, quando chegarem aos 65 anos, muitos deles terão que receber o Benefício de Prestação Continuada, se forem pobres, o que também vai demandar um orçamento público crescente.
Em suma, com as novas modalidades de contratação, a situação em termos de bem-estar dos trabalhadores e das contas públicas é preocupante. O sistema previdenciário ficará cada vez mais insustentável e, portanto, as reformas terão que ser cada vez mais draconianas, uma vez que a arrecadação ficará menor. Mas isto provocará uma redução ainda maior da base de arrecadação, pois uma parcela maior das pessoas sairá do sistema. Assim, se não houver alguma forma de arrecadação compulsória para a Previdência, os brasileiros que estão contribuindo hoje não conseguirão receber nada no futuro. Mas quem se preocupa com o futuro?
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/quem-vai-financiar-a-previdencia.ghtml
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