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Protecionismo: solução ou armadilha?

Países com PIB semelhante ao brasileiro têm taxa de abertura em torno de 65%, enquanto o Brasil registra apenas 30%

Valor

O recente livro “Integração Comercial Internacional do Brasil”, coordenado pelo Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), reacendeu um debate antigo, mas crucial: o Brasil continua sendo um país fechado ao comércio exterior e, por isso, enfrenta barreiras significativas ao crescimento da produtividade das empresas e da economia como um todo.

Países com PIB semelhante ao brasileiro têm taxa de abertura em torno de 65%, enquanto o Brasil registra apenas 30%. O estudo também revisa uma literatura acadêmica robusta que mostra como uma maior abertura eleva a produtividade das firmas e da economia, reduz os preços de insumos e bens finais e aumenta a renda real e o bem-estar. Assim, abrir a economia não resolverá todos os problemas do país, mas constitui uma medida de baixo custo e elevado retorno.

Embora o estudo tenha recebido amplo apoio de economistas e da imprensa, alguns especialistas se opuseram. Segundo esses críticos, o Brasil atravessa um processo de desindustrialização e, por isso, seria necessária a intervenção governamental para proteger a indústria, seja por meio de barreiras à concorrência externa, seja por meio de subsídios.

As grandes questões são: os brasileiros devem se preocupar com a desindustrialização? O governo deve agir para reverter esse processo?

Para responder, é preciso recorrer às principais teorias econômicas. Algumas apontam situações em que subsídios industriais ou proteção contra a concorrência externa (tarifas ou outros instrumentos) seriam desejáveis. Em geral, baseiam-se na identificação de falhas de mercado, isto é, situações em que as decisões de uma empresa geram efeitos indiretos sobre outras que não são considerados.

Um exemplo é a inovação: empresas investem em pesquisa e desenvolvimento sem levar em conta que descobertas podem se difundir e beneficiar toda a economia. Isso resulta em menos investimento do que o socialmente ótimo, o que justificaria incentivos governamentais. Outro exemplo são as empresas pioneiras: ao entrarem em novos mercados, produzem conhecimento que concorrentes subsequentes aproveitam sem arcar com os custos iniciais, o que pode desestimular a entrada de novas firmas — especialmente em setores estratégicos de inovação.

Há ainda a teoria da indústria nascente. O Brasil poderia ser eficiente na produção de veículos elétricos e painéis solares, mas empresas locais precisam de tempo para alcançar competitividade, aprendendo com erros e acertos. Nesse cenário, a proteção governamental daria espaço para sua consolidação até que pudessem competir em igualdade.

Essas teorias têm fundamento econômico. O problema está na aplicação, em um contexto de recursos escassos: cada real gasto em subsídios é um real a menos para educação, saúde ou infraestrutura. Já tarifas sobre computadores e smartphones reduzem o orçamento de empresas e consumidores, restringem investimentos e enfraquecem a demanda. Por isso, análises rigorosas de custo-benefício são essenciais, sob pena de a intervenção gerar mais problemas que soluções.

Diante desse contexto, surgem questões fundamentais: quais falhas de mercado o governo busca corrigir? No caso da indústria nascente, por que o Estado seria mais apto que o setor privado para identificar investimentos rentáveis? E como proteger setores sem desestimular a inovação, evitando que empresários substituam esforço por lobby e capturem as políticas comerciais e industriais do país?

Também é preciso discutir a implementação: qual o plano de longo prazo, até quando a proteção deve durar, quais setores serão escolhidos, com base em quais critérios, e que análises de custo-benefício sustentam essas escolhas?

Raramente o governo produz relatórios que respondam a essas perguntas com o rigor necessário. Isso não se deve a falhas ou incompetência, mas à dificuldade de obter respostas a partir dos dados e metodologias disponíveis. No fim, a proteção à indústria tende a ser guiada mais por ideologia do que por evidências científicas.

Exemplos recentes de argumentos ideológicos incluem afirmações de que a soberania nacional depende da proteção da indústria brasileira — algo impossível de provar ou refutar — e indagações como: “Por que abrir agora, se vários países, inclusive os Estados Unidos, estão se fechando?” Ora, se todos estão atirando em seus próprios pés, devemos fazer o mesmo?

Outro exemplo é a lembrança de que políticas industriais na Coreia do Sul e na China geraram crescimento e redução da pobreza. Mas cada caso é único. A Coreia investiu pesadamente em educação e comércio exterior nos anos 1960, condicionando subsídios ao desempenho e às exportações, em um contexto muito diferente do atual, hoje marcado por automação, inteligência artificial e transição energética. A China, por sua vez, não é uma democracia, de modo que a forma como decide e implementa políticas difere bastante do que seria possível no Brasil. Além disso, falhas de mercado relevantes nesses países podem não ter o mesmo peso aqui. Vale lembrar ainda que as políticas industriais brasileiras dos anos 1960 e 1970 pouco resultaram: Gurgel, Gradiente e Cobra desapareceram, e apenas a Embraer sobreviveu — a um custo elevado.

Políticas decididas sem rigor levam à má alocação de recursos, capaz de gerar mais danos que benefícios e criar distorções que podem levar décadas para corrigir. Defensores do fechamento da economia e dos subsídios afirmam que o maior crescimento do Brasil coincidiu com a fase de incentivo à produção nacional. Mas confundir correlação com causalidade é tão equivocado quanto dizer que o aumento das vendas de sorvete eleva a temperatura no Rio de Janeiro. Esses argumentos ainda omitem dois pontos importantes. Primeiro, outras políticas foram adotadas simultaneamente, como a expansão da educação e da infraestrutura. Segundo, os incentivos dos anos 1970 resultaram em forte endividamento público, que contribuiu para a estagflação das décadas seguintes. Não se trata de negar que o intervencionismo tenha favorecido o crescimento nos anos 1960 e 1970, mas é difícil medir seu peso relativo — e não se pode descartar que também tenha sido responsável pelo colapso dos anos 1980.

Uma abertura comercial não beneficiará de imediato todos os brasileiros. Algumas empresas menos competitivas fecharão diante da concorrência externa, e parte de seus trabalhadores enfrentará períodos de desemprego, informalidade ou ocupações de baixa remuneração. No entanto, os ganhos de produtividade e de renda real tendem a compensar essas perdas de curto prazo. O estudo Integração Comercial Internacional do Brasil analisa a experiência do país após a liberalização dos anos 1990 e propõe políticas de transição no mercado de trabalho que permitam transformar a abertura econômica em um processo capaz de beneficiar trabalhadores e consumidores. A ideia central é alinhar o Brasil aos vetores de transformação estrutural em curso na economia global, garantindo que os ganhos da integração sejam amplamente compartilhados.

Rafael Dix-Carneiro é professor titular de Economia na Duke University (EUA).

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/protecionismo-solucao-ou-armadilha.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Rafael Dix-Carneiro