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Só a falta de moderação atrai atenção?

Estadão

Daqui a 12 meses o Brasil definirá o governo para o quadriênio 2027-2030, mas definirá também muito mais. Uma eleição presidencial constitui a oportunidade, por excelência, para que o País melhore a qualidade do debate público informado sobre os principais desafios com os quais se defronta. Tarefa fundamental, que exige de candidatos e respectivas equipes, farol alto e visão de longo prazo – e com relação à qual o Brasil falhou nos pleitos de 2014, 2018 e 2022.

Em 2014, a presidente Dilma Rousseff anunciou que, em época de eleição, o governo poderia “fazer o diabo”. E o fizeram. A própria presidente Dilma reconheceu (Valor Econômico, 11/9/2015) que “aplicou por um período de tempo excessivo uma política anticíclica agressiva”. Aloizio Mercadante, possivelmente seu ministro mais próximo, afirmou à Folha de S. Paulo: “(…) Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço por manter os investimentos, de manter gastos.”

Em 2018, Bolsonaro sagrou-se vencedor, com base em incisivo discurso contra o lulopetismo e a velha política do “toma lá, dá cá”. Inaugurou no Brasil o uso das redes sociais como instrumento de comunicação e indignação, como fizera Trump em 2016 e voltaria a fazer em 2024, num processo descrito no imperdível livro de Giuliano da Empoli, cujo título já diz muito: Os Engenheiros do Caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. Não sobrou espaço para debate sério entre os candidatos sobre os grandes desafios do País.

As eleições de 2022 foram marcadas por uma polarização ainda mais acentuada e decididas no photochart (50,9 x 49,1 dos votos válidos). No total dos votos em relação ao número de eleitores aptos a votar, a diferença foi de menos de 1,4%; menos de 1% dos eleitores teriam alterado o resultado, mudando de voto no segundo turno. 25% do eleitorado não compareceu para votar ou votou em branco ou nulo. Como em 2014 e 2018, não houve debate significativo sobre as grandes questões do desenvolvimento econômico, social e político-institucional. E o Brasil alcançou um grau de polarização como nunca antes conhecera.

O caminho de agora até outubro de 2026 não deveria ser uma repetição dessas experiências, marcadas por excessiva simplificação e polarização do debate, que de resto costumam caminhar juntas. Um eventual Lula IV não poderá ser uma repetição de Lula III. Caso vença um de seus opositores, este não deveria pretender reeditar a experiência de 2019 a 2022.

O Brasil dos Invisíveis é o título de importante artigo recente de Pablo Ortellado (O Globo, 10/10). O texto comenta pesquisa que permitiria “olhar a divisão política no Brasil com muito mais nuance e granularidade” do que o tradicional “nós contra eles” que domina as agressivas discussões políticas nas redes sociais.

Os invisíveis do título do artigo o são porque suas posições são “abafadas pelo hiperativismo dos segmentos mais polarizados”. Eles representariam 54% da população, divididos em dois grupos de igual tamanho. O primeiro seria constituído pelos “desengajados”, que evitam falar de política e tendem a votar em branco ou nulo, ou não votar. Nas eleições de 2022, este grupo representou quase 25% do total do eleitorado, isto é, os votos válidos foram dados por 75% do eleitorado. Os outros 27% de eleitores invisíveis são os “cautelosos”, um grupo um pouco menos desengajado e um pouco mais conservador. Ambos sugerem, segundo Ortellado, que o “País não está suficientemente polarizado para que a dinâmica das redes sociais tenha capturado os segmentos invisíveis que compõem a maior parte da população”. E conclui: “É um alento descobrir que, sob as ruidosas e intolerantes guerras culturais, resiste um substrato majoritário, comedido e independente”. Que é, acrescento, absolutamente decisivo para o resultado das eleições e que, portanto, deveria ser, nas eleições de 2026, objeto de maior atenção por parte dos candidatos, não só à Presidência da República, como também ao Legislativo.

O Brasil é um país extraordinário em sua rica diversidade e enorme potencial, mas também complexo de se entender e difícil de administrar, como cedo ou tarde aprendem aqueles que se dispõem a fazê-lo. Daí a importância central de debates voltados para o que fazer, com vistas a assegurar a gradual consolidação do muito que já alcançamos como país e, principalmente, a possibilidade de avançar mais. O processo exige lideranças capazes de melhorar a qualidade desse debate público informado sobre crescimento, emprego e renda. Dotadas de clareza quanto à necessidade de aumentar em muito a produtividade e a competitividade internacional do País e de suas empresas. De dotar o governo de eficiência operacional na gestão da coisa pública – aí incluídos os investimentos em infraestrutura física e humana.

Já houve no País experiências de diálogo e tentativas de entendimento, como aquela que marcou a transição que se seguiu às eleições de 2002. Haverá que tentá-lo novamente. Quem sabe em 2026 – ou em 2030.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/opiniao/pedro-s-malan/so-a-falta-de-moderacao-atrai-atencao/

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Sobre o autor

Pedro Malan