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As exceções sustentam os juros

Em algum momento, o governo terá de interromper a atual trajetória dos gastos públicos, que é insustentável

Estadão

Na semana passada, o Senado aprovou a retirada de mais R$ 5 bilhões da meta fiscal deste ano para ampliar gastos com Defesa. A regra valerá para os próximos seis anos e resultará em R$ 30 bilhões fora da meta. Já estão fora da meta fiscal deste ano a ajuda a setores afetados pelo tarifaço, despesas com precatórios e o ressarcimento de aposentados e pensionistas que foram vítimas de descontos indevidos em seus benefícios. São exceções demais.

Ao mesmo tempo, o governo discute um socorro de R$ 20 bilhões aos Correios. Não há espaço aparente no orçamento para isso. A alternativa, um empréstimo via bancos públicos, é controversa e remonta às piores práticas do passado recente.

Devido a esta rotina de anúncios de novos gastos, é consenso que a taxa Selic deve permanecer no atual patamar de 15% ao ano por algum tempo. O presidente do Banco CentralGabriel Galípolo, disse na semana passada que a inflação começa a reagir aos juros altos, mas segue fora da meta. Não há sinal de mudança na política monetária porque não há sinal de mudança na política fiscal. Enquanto o governo seguir gastando além da conta, não haverá espaço para uma taxa de juros menor.

Cortar gastos é difícil, vai contra as práticas mais tradicionais dos governos brasileiros. Em contraste com a facilidade com que novas despesas são aprovadas, medidas de racionalização enfrentam larga resistência. O deputado federal Pedro Paulo conseguiu apenas 120 das 171 assinaturas necessárias para protocolar os projetos de reforma administrativa.

Reformar a máquina pública é essencial para reduzir gastos e estabelecer práticas mais justas de remuneração, evitar que algumas categorias consigam receber uma parcela maior dos recursos públicos do que outras. Mas será uma tarefa difícil , como foi a negociação pela reforma da Previdência, que comecei no governo Temer em 2017 e só saiu em 2019. O governo deveria se empenhar pela reforma administrativa, enfrentar os grupos de interesse.

Em algum momento, o governo terá de interromper a atual trajetória do gasto, que é insustentável. Quanto mais cedo fizer isso, menor será o esforço para colocar as contas no lugar e menor será o sacrifício imposto à população. Não precisamos chegar ao limite que atingimos na crise de 2014-2016, quando o PIB recuou mais de 5,2% entre junho de 2015 e maio de 2016. Temos conhecimento suficiente para não repetir erros do passado e experiência acumulada para saber dos benefícios de uma política fiscal saudável para o crescimento e o emprego.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/henrique-meirelles/excecoes-gastos-meta-fiscal-sustentam-juros-altos/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Henrique Meirelles