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O crime ambiental e o que a iniciativa privada tem a ver com isso

Comunidade empresarial é essencial para alternativas sustentáveis contra a destruição de biomas

Por David Fein, Ilona Szabó Candido Bracher

Valor

O crime ambiental entrou, enfim, na agenda da COP30. Terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo – responsável por ganhos ilícitos estimados entre US$ 110 bilhões e US$ 281 bilhões por ano e custos de até US$ 2 trilhões – resulta de práticas ilegais como mineração, desmatamento e tráfico, agravando a perda de biodiversidade e a devastação de florestas na Amazônia e outros biomas tropicais.

Mesmo com esses números, a relação entre mudanças climáticas e crime ambiental ainda não é prioridade global. Mas, ao trazer como metas para a redução do aquecimento global o desmatamento zero até 2030, além do restauro de 12 milhões de hectares de florestas, o Brasil fez o tema chegar às mesas de negociações.

Trata-se de uma grande oportunidade para avançar no enfrentamento ao crime ambiental como uma ação multissetorial. E, diante da complexidade do desafio, só será possível traçar uma estratégia eficaz se houver uma aliança entre governos e sociedades para transformar os ecossistemas criminosos em cadeias de alternativas econômicas inclusivas que trabalhem com, e não contra, a natureza e a biodiversidade.

Nessa aliança, o setor privado tem um papel fundamental – que pode e deve ser ampliado, a partir de uma visão de negócios para além da economia tradicional. E, para mostrar o papel do setor privado, é preciso entender os impactos dessas ações criminosas.

O desmatamento e a degradação de florestas liberam CO2. Com isso, grandes sumidouros de carbono, como a Bacia Amazônia, perdem capacidade de absorver CO2 e se tornam, em parte, emissores líquidos, contribuindo para as mudanças climáticas. O que, por sua vez, cria condições ideais para incêndios florestais, provocando maior devastação e acelerando ainda mais as emissões de carbono.

Esse ciclo de destruição leva florestas ao ponto de não retorno – e isso precisa parar. Do ponto de vista econômico, a iminência dessa tragédia ambiental se traduz no fato de que mais da metade do PIB global depende dos serviços ecossistêmicos, ou seja, aqueles prestados pela natureza, como a água, o solo, a flora, e a regulação do clima e da qualidade do ar.

O crime ambiental é o motor do desmatamento e da perda de biodiversidade. No Brasil, que detém 60% da Amazônia, 90% do desmate na região é ilegal, um padrão semelhante ao dos demais países com biomas tropicais.

A rede de mercados ilícitos, dominada em boa parte por organizações criminosas em vários níveis de poder, cruza fronteiras e ameaça a estabilidade política, os direitos humanos e o sistema financeiro. No atual cenário de economias instáveis, o crime ambiental representa um risco crescente aos negócios e à segurança global.

Sem uma estratégia para enfrentar a questão, empresas e instituições financeiras arriscam seus resultados em um ambiente de negócios imprevisível, já que essas atividades prejudicam acordos comerciais, desestimulam o investimento estrangeiro, e ameaçam a reputação, os planos de negócios e a competitividade de setores inteiros.

Mesmo segmentos que não envolvem produtos da natureza podem ser indiretamente afetados por vulnerabilidades em sua cadeia de suprimentos, estrutura logística ou sistemas financeiros.

Ao se comprometer com soluções, o setor privado transforma riscos em oportunidades, ajudando a construir, ao lado de governos, sociedade civil, academia e instituições multilaterais, uma economia com base em alternativas sustentáveis e viáveis às práticas predatórias vigentes, e que gere renda e prosperidade para todos.

Do discurso à ação, a comunidade empresarial pode ser decisiva em pelo menos três frentes: assegurar total rastreabilidade das cadeias de suprimento, conter fluxos financeiros ilícitos relacionados ao crime ambiental e impulsionar investimentos responsáveis em setores de alta integridade, compatíveis com a floresta.

Nesse sentido, a Royal Foundation, do príncipe e da princesa de Gales, e o Instituto Igarapé lançaram uma carta de princípios para o setor privado como marco de compromissos contra o crime ambiental, trazendo protagonismo ao tema na ação climática global. São eles:

  • As empresas devem garantir a origem legal de seus produtos e serviços, adotando tecnologias de monitoramento, publicando dados abertos, reforçando regras socioambientais, colaborando com autoridades. Devem eliminar fornecedores ilegais e apoiar pequenos produtores na adequação às normas.
  • O sistema financeiro deve integrar riscos socioambientais e territoriais nas políticas de compliance, crédito e seguros. Financiamentos e investimentos precisam seguir padrões sustentáveis e alinhados às melhores práticas internacionais.
  • O setor privado deve promover economias sustentáveis baseadas na natureza, investindo em bioeconomias inclusivas, restauração e agricultura regenerativa. É essencial fortalecer comunidades locais, apoiar produtores, criar mecanismos de risco compartilhado e ampliar mercados de crédito de carbono e outros financiamentos verdes.
  • O setor privado deve defender marcos regulatórios fortes e previsíveis que protejam o meio ambiente e garantam segurança jurídica a negócios responsáveis.
  • Líderes empresariais devem unir-se em coalizões multissetoriais para avançar em uma agenda coletiva e ambiciosa contra os crimes ambientais.

 comunidade empresarial tem a possibilidade de se envolver no desenvolvimento de um mapa para o desmatamento zero global, como proposto pela ministra Marina Silva na pré-COP30, em Brasília. Este pode ser o instrumento para garantir a continuidade do tema na agenda da ONU, onde entrou com a Declaração de Glasgow, em 2021, e seguiu em 2023 com o Consenso de Dubai para deter e reverter o desmatamento até 2030.

Com a emergência da crise climática, o momento de agir é agora. Empresas e instituições financeiras comprometidas com a ação climática devem liderar a transformação necessária para combater o crime ambiental, fortalecer os mercados e construir um futuro sustentável e justo para todos.

David Fein é co-chair do United for Wildlife e vice-chair do Earthshot Prize.
Ilona Szabó é presidente e cofundadora do Instituto Igarapé.
Candido Bracher é administrador de empresas.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-crime-ambiental-e-o-que-a-iniciativa-privada-tem-a-ver-com-isso.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Candido Bracher