Uma vez que empresas ou setores ganham peso na economia, o país não consegue mais abandoná-las e direcionar recursos para novos produtos e firmas caso elas se tornem ultrapassadas
Valor
Acadêmicos e entidades empresariais debatem há bastante tempo se devemos ter políticas industriais no Brasil. Nossa primeira tentativa nesta área ocorreu com a políticas de substituição de importações. Desde então, quase todo novo governo implementa uma nova política industrial. Mas a produtividade da indústria, depois de crescer bastante entre 1950 e 1980, permanece no mesmo nível desde então. Porque será que as políticas industriais dos tigres asiáticos funcionaram, mas as do Brasil não? Seria possível desenhar uma política industrial que leve o Brasil para a fronteira de produtividade?
A política industrial que prevaleceu ao longo do século XX era uma política de substituição de importações com proteção tarifária, para dificultar a entrada de produtos importados no Brasil, além de uma série de subsídios para setores específicos. Isto fez com que a indústria crescesse e se diversificasse. Mas este crescimento ocorreu sem aumento das exportações. A produção foi direcionada para o mercado interno, aproveitando o crescimento da renda provocado pela transição demográfica e pela migração do campo para a cidade, além do próprio tamanho de mercado.
Assim, quando a migração acabou e dívida pública explodiu, a indústria perdeu dinamismo e parou de crescer. Atualmente, é consensual que políticas de substituição de importações sem incentivos às exportações geram complacência, acomodação e redução de inovações. No Brasil, elas foram substituídas pelas políticas industriais 2.0. São políticas direcionadas para a inovação, que sempre envolvem algum plano para o setor automobilístico, e que almejam aumentar os gastos das empresas brasileiras com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Um artigo recente muito interessante avaliou o impacto das políticas de subsídio aos gastos em P&D implementadas pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) (1). Usando técnicas econométricas sofisticadas, os autores mostram que as firmas que recebem estes subsídios crescem mais do que as que não recebem, diversificando sua produção e aumentando o número de estabelecimentos. Os efeitos são maiores para as firmas menores e mais jovens, que provavelmente tinham muitas dificuldades para obter crédito nas condições oferecidas pela Finep.
Os resultados mostram também que estes empréstimos aumentam as inovações nas firmas beneficiadas e a contratação de cientistas. Mas os ganhos em termos de inovações na fronteira do conhecimento são tímidos. Utilizando bases de dados de patentes, os autores mostram que não houve efeito dos empréstimos sobre as citações das patentes obtidas, que são o principal indicador de impacto tecnológico das inovações. O estudo mostra que as firmas beneficiadas usaram os subsídios para introduzir produtos parecidos com os que já existiam em outros países, mas que não conseguiam entrar no Brasil por causa de proteções tarifárias. Ou seja, é necessário que haja proteção tarifária para que programas de subsídio à inovação no Brasil tenham efeitos sobre as inovações.
Mais de uma década após os empréstimos, as firmas que conseguiram os subsídios ainda não tinham conseguido exportar para os países mais desenvolvidos, ou seja, não conseguiram ser competitivas internacionalmente. Este artigo traz um bom resumo dos efeitos da nova geração de políticas industriais no Brasil. Por mais que estas políticas sejam cuidadosas, acompanhem as empresas beneficiadas e possam ter resultados positivos em termos de inovação, emprego e lucros, elas não conseguem fazer com que as empresas brasileiras concorram com produtos sofisticados na Europa, EUA e Asia. Por que será que isto ocorre?
Para responder esta questão, podemos comparar as nossas políticas industriais com as políticas adotadas pelos tigres asiáticos, que conseguiram romper as fronteiras internacionais. Marcas como Samsung e Hyundai são admiradas no mundo todo. Entre 1970 e 2000, o crescimento médio dos tigres asiáticos foi de 6% ao ano, com cerca de 20% deste crescimento oriundo de inovações. O PIB per capita destes países, que representava apenas 25% do PIB per capita americano em 1970, passou para quase 70% atualmente. Porque estes países deram certo?
Além de terem obtido um grande avanço educacional neste período, o tipo de política industrial aplicada nestes países foi diferente do que ocorreu nos demais. Um artigo recente mostra que estas políticas eram baseadas em crescimento da produtividade, derivada de inovações de processo e de produto, com mudança da composição industrial para setores e tarefas cada vez mais sofisticadas, com as firmas aprendendo continuamente durante o processo (2). As políticas de proteção tarifária e substituição de importações foram bem mais tímidas do que as que adotadas na América Latina e ocorreram somente no início do processo.
Para que isto ocorresse foi necessário ter uma burocracia estatal competente e isolada dos interesses empresariais, que pudesse direcionar recursos para o desenvolvimento de indústrias sofisticadas. Além disto, a ênfase estava nas exportações, que eram condição necessária para que os benefícios continuassem. Finalmente, não havia seleção de empresas vencedoras, pois o apoio era dado para setores como um todo e a concorrência no mercado era estimulada para revelar quem seriam os verdadeiros vencedores.
Porque não conseguimos fazer este tipo de política por aqui? A resposta parece estar na nossa incapacidade de deixar que empresas perdedoras fiquem para trás. Como nos mostram Aghion e Howit (os últimos vencedores do prêmio Nobel), para que haja crescimento sustentado, é necessário que haja um processo de “destruição criativa”, ou seja, alguns precisam perder para que outros possam avançar. Mas isto é muito complicado no Brasil. Uma vez que empresas ou setores ganham peso na economia, nós não conseguimos mais abandoná-las e direcionar recursos para novos produtos e firmas caso elas se tornem ultrapassadas.
Um exemplo típico é a Zona Franca de Manaus, que não deu certo, mas que nunca vai acabar. Outro é do Perse, um programa de incentivos a setores afetados pela pandemia que existe até hoje. Uma vez que as empresas começam a crescer mais no Brasil, elas rapidamente mobilizam políticos, a imprensa e os tomadores de decisão, que não as deixam naufragar. Isto quase aconteceu novamente no caso do banco Master. É por isso que uma política industrial no estilo dos tigres asiáticos dificilmente vai funcionar por aqui.
- “R&D Subsidy and Import Substitution: Growing in the Shadow of Protection”, Gustavo Souza e Gabriel Garber.
- “Industrial Policy, Asian Miracle Style”, Reda Cherif e Fuad Hasanov.
Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/naercio-menezes-filho/coluna/politica-industrial-no-brasil.ghtml
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