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Elementos para preparar a economia de 2030

Há desafios e oportunidades nas evoluções em várias frentes

Valor

Alguns temas ganharão relevância para sustentar o crescimento da economia brasileira no horizonte de 2030. O financiamento da economia, por exemplo, vem deixando de depender dos pilares criados nos anos 1960s-70s, passando a se valer mais dos mercados de capital e da concorrência na indústria financeira. Essa evolução é bem vinda, mesmo que fragmentada e com algumas “dores de dentição”. Um arcabouço abrangente pode lhe dar mais eficiência, segurança e reduzir o risco de hiatos no crescimento do PIB. Há desafios e oportunidades em outras frentes também.

O pilar de financiamento mais tradicional talvez seja o BNDES, com mais de 70 anos dedicados à indústria e à infraestrutura. No auge, as concessões de crédito do banco ultrapassaram 4% do PIB, na virada da década de 2010. Hoje, apesar de certa retomada, estão perto de 1,8% do PIB (R$ 212 bilhões em 2024). A maior parte conta com fonte de recursos (funding) do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), atualmente com remuneração próxima à dos títulos federais.

Apesar dos recursos do FAT virem crescendo com a capitalização dos juros mais altos, a sua disponibilidade é incerta no longo prazo. Desde 2019, parte deles pode ser usada para despesas previdenciárias, com retiradas próximas de

R$ 20 bilhões anuais no período recente. Em resposta, o BNDES vem ampliando captações externas e se aliando aos mercados de capitais. A ancoragem de debêntures — iniciada nas concessões de saneamento — tem sido aplicada a outros setores e deverá ser acompanhada da venda de carteiras após vencido o risco de obra. Essa transição tem sido favorecida pela popularidade das debêntures incentivadas, cujas emissões atingiram cerca de R$ 135 bilhões em 2024 e podem chegar a R$ 150 bilhões em 2025, embora mudanças tributárias e no nível de juros possam vir a afetar a sua atratividade à frente.

No agronegócio, o crédito também mudou. O setor cresceu mais do que os depósitos do Banco do Brasil e a poupança rural, bases históricas do crédito rural. O descompasso começou a ser enfrentado com LCAs e CRAs há cerca de 15 anos e, mais recentemente, com Fiagros e CPRs, a taxas de mercado amparados por isenções fiscais.

O setor ainda assimila esse movimento e aprende a lidar com pressões cíclicas no financiamento da safra. Esse crédito deverá ser moldar à maior volatilidade climática nos próximos anos e à necessidade de recursos de prazo mais longo para recuperação de solos e ganhos de produtividade — por exemplo, na pecuária — em um ambiente global de margens mais estreitas.

Na habitação, as fontes tradicionais vêm se adaptando à retração estrutural da caderneta de poupança e aos limites do FGTS, apesar do avanço recente do emprego formal. A redução do depósito compulsório da poupança dá um fôlego passageiro ao crédito. Com o tempo, ela pode exacerbar o risco de descasamento de prazos entre ativos e passivos, mesmo com as novas exigências de lastrear financiamentos com LCIs e a transferência apenas indireta do funding barato da poupança para a moradia. O desenho de novos arranjos para sustentar a expansão do crédito imobiliário para a classe média lembra que, nos EUA e na Europa, o financiamento via mercado ou bancos privados conta com garantias públicas — às vezes parciais — mais amplas do que as do FGC, o seguro setorial existente no Brasil.

Essas transformações das estruturas de financiamento são positivas e aumentam o poder da política monetária, apesar da proeminência ainda de instrumentos pós fixados, notadamente na dívida pública. Quanto mais claros forem os contornos da nova arquitetura, maior a chance de mobilizar recursos para investimento com instrumentos aprimorados, menos distorções tributárias e maior proteção a investidores e tomadores.

À agenda de transformação do financiamento soma-se o enfrentamento de mudanças tecnológicas e geopolíticas que redesenham o equilíbrio entre segurança e eficiência econômica quando, como lembrou há pouco Pedro Malan, os arranjos institucionais e regras do jogo estabelecidos desde o pós-guerra são questionados por muitos. É o caso, por exemplo, da energia, minerais críticos e da própria siderurgia.

Desafios vêm das transformações no financiamento e das mudanças tecnológicas e geopolíticas

Num momento em que EUA e outros blocos vêm se protegendo, a produção brasileira de aço segue estagnada e o mercado interno está cada vez mais permeável à importação direta e indireta (via bens intensivos em aço, como automóveis). Encontrar o equilíbrio entre os interesses de produtores, consumidores e parceiros comerciais será crucial para bem aproveitar nossos recursos naturais, gerar emprego ao longo de toda a cadeia e assegurar a segurança estratégica que ela proporciona. O aproveitamento de minerais críticos tem características análogas, o que torna alvissareira a recente sinalização de apoio ao processamento, na Amazônia, de platina, paládio e outros minerais para a indústria do futuro.

A melhor remuneração da contribuição das usinas hidrelétricas à confiabilidade do sistema elétrico brasileiro também integra essa “agenda do futuro” para agora. A remuneração pela modulação da geração ao longo do dia e o apoio ao desenvolvimento de hidrelétricas reversíveis, entre outras medidas, podem se somar à antecipação do tratamento tributário dos investimentos previsto na Reforma Tributária e ajudar, por exemplo, na implantação de data centers no país, com alívio para a balança de pagamentos.

Esses desafios não são problemas a lamentar, mas oportunidades que decorrem do próprio crescimento e amadurecimento do país. Enfrentá-los dará respostas a novas condições tecnológicas e a expectativas da sociedade, com maior previsibilidade para os agentes econômicos, estimulando o investimento e crescimento não inflacionário.

Em tempo: cabe celebrar o ônibus híbrido em série com motor a etanol, apresentado na COP em Belém, como exemplo de solução muito brasileira para problemas globais. Essa tecnologia nacional oferece, a baixo custo, boa economia de energia e, acoplada ao etanol, redução relevante das emissões de CO2 no transporte urbano.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/joaquim-levy/coluna/elementos-para-preparar-a-economia-de-2030.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Joaquim Levy