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Mundo em guerra

Petróleo e terras raras aumentam a importância estratégica do Brasil e, com isso, sua necessidade de investir na defesa territorial

Valor

O ano de 2025 será marcado na história econômica pelo aparente divisor de águas vivido pelo comércio internacional. Saímos de um regime baseado em regras e multilateralismo para um ambiente bem mais darwiniano, no qual negociações bilaterais, ad hoc e não raramente envolvendo temas não comerciais, se tornaram bem mais importantes. A proposição que países economicamente integrados não entram em conflito é falsa: basta lembrar que a Primeira Guerra Mundial envolveu economias europeias que eram altamente interconectadas. Mas a fragmentação do comércio e a desintegração da economia mundial não apontam para um futuro harmonioso do ponto de vista geopolítico.

A relação entre política comercial e geopolítica, entre conflito econômico e conflito diplomático, ou militar, está longe de ser nova. A utilização da guerra econômica para obter resultados estratégicos também tem histórico longo.

A invasão da Rússia por Napoleão em 1812 ocorreu para preservar o Sistema Continental, que visava excluir a Inglaterra do comércio com o continente europeu. Esse bloqueio tinha como objetivo estrangular o comércio exterior britânico, em especial suas exportações, para obrigar a Inglaterra a aceitar o domínio de Napoleão sobre a Europa.

A Primeira Guerra Mundial foi também a primeira guerra industrial. Diferente das anteriores, foi um conflito em que a capacidade produtiva era tão importante quanto a estratégia dos campos de batalha. Por esse motivo, ambos os grupos beligerantes tentaram utilizar armas econômicas. Um deles conseguiu. A Alemanha tentou, como Napoleão, estrangular o comércio exterior britânico, não focando nas exportações, mas sim nas importações de itens essenciais. Isto foi feito por meio da guerra submarina. O esforço alemão quase foi bem-sucedido. Mas a adoção de comboios entre Estados Unidos, Canadá e o Reino Unido acabou derrotando a ofensiva submarina. Por outro lado, a Marinha Real britânica, totalmente dominante à época, implementou um efetivo bloqueio naval da economia alemã, que dependia de importações de alimentos e insumos industriais. A escassez de grãos, fertilizantes, etc., levou a Alemanha a uma situação de severa insuficiência alimentar no inverno europeu de 1916 para 1917.

A Alemanha perdeu a guerra nos campos de batalha da frente ocidental, mas a deterioração das condições de vida no país contribuiu para a revolução que depôs o Kaiser e instaurou a república. A estratégia de guerra econômica britânica se mostrou vitoriosa.

A direita alemã, incluindo o partido nazista, atribuía a derrota na primeira guerra a uma suposta “facada nas costas” — as dificuldades econômicas no front interno, não as derrotas militares, teriam levado ao armistício. Isso não era verdade, mas a narrativa acabou tomando controle sobre o pensamento de grande parte da classe dirigente no país. Essa narrativa teve influência importante na condução das operações alemãs na Segunda Guerra, em especial no que se refere à frente russa. Enquanto os generais queriam capturar Moscou e outras áreas militarmente estratégicas, o líder nazista tendia a priorizar objetivos econômicos, em especial a Ucrânia (grãos) e Cáucaso (petróleo). Dada a disparidade de capacidade produtiva entre os Aliados e o Eixo, a vitória final dos primeiros, depois da entrada dos EUA na guerra, era previsível.

Mas entre o poderio econômico e resultados militares, há considerável distância. A ofensiva alemã no Cáucaso, claramente com objetivos econômicos, contribuiu para a derrota em Stalingrado, que marcou a virada definitiva daquele conflito.

O principal exemplo de atuação militar com objetivos econômicos no segundo conflito global foi a campanha de bombardeios dos aliados sobre a Alemanha. Britânicos (de noite) e americanos (de dia) implementaram uma intensa campanha, de 1943 em diante, com vistas a ajudar as campanhas terrestres e, idealmente, levar à vitória sem a necessidade da abertura de uma nova frente na Europa Ocidental — posição do comando da RAF. Desde o período entreguerras, havia uma corrente de estrategistas defendendo a guerra aérea, não como um elemento complementar, mas substituto, ao conflito terrestre. Bombardeios da infraestrutura econômica do inimigo levariam ao colapso de sua economia e desmoralização de sua população. Na intensidade adequada, isso seria por si só suficiente para levar à rendição das forças opositoras. Com esse objetivo, o governo britânico criou o Ministério da Guerra Econômica, ainda em 1939. A campanha de bombardeio teve impacto econômico importante, notadamente sobre a produção de combustíveis, transporte e a aviação alemã. Mas não foi suficiente para ocasionar a mudança de regime pretendida.

A guerra industrializada depende de alguns insumos básicos, porém críticos, que têm participação importante na formulação de estratégias. Na Segunda Guerra, por exemplo, controle e proteção de recursos petrolíferos tiveram papel determinante. Apesar da sofisticação tecnológica dos conflitos atuais, como se vê na Ucrânia, tudo depende de insumos básicos. Além do petróleo, que segue importante, outro elemento crucial atualmente é o conjunto dos minerais de terras raras — essenciais para a produção de sistemas de direcionamento, plataformas aéreas de alta performance, mísseis, entre outros produtos-chave para operações militares.

Hoje o nosso país tem capacidade de produção de petróleo relevante, e, mais importante, o segundo maior volume de reservas de terras raras do mundo (cerca de 23%, ante 49% na China), apesar de, na maioria dos casos, ainda não minerarmos e processarmos em escala. Isso aumenta a importância estratégica do Brasil e, com isso, sua necessidade de investir na defesa territorial. Gastos militares tendem a crescer por aqui também, fator de pressão adicional que o desenho da política fiscal deveria levar em conta à frente.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/mario-mesquita/coluna/mundo-em-guerra.ghtml

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Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita