As diferenças de salário entre as pessoas parecem estar mais associadas à sua raça e gênero do que aos tipos de faculdades cursadas
Há muito tempo é possível comparar os ganhos salariais dos alunos que fizeram faculdade com relação aos que deixaram a escola após o final de ensino médio no Brasil. Mas, não tínhamos como calcular esses diferenciais separadamente para os alunos da rede pública e privada.
Agora isso já é possível, pois os novos questionários da Pnad Contínua do IBGE perguntam que tipo de escola as pessoas cursaram no ensino médio e no superior. Com esses dados, podemos responder questões interessantes. Por exemplo, qual a diferença salarial entre os alunos que cursaram universidades públicas e privadas? Existe diferença salarial entre brancos e negros que frequentaram o mesmo tipo de escola no ensino médio e também o mesmo tipo de faculdade? E entre os homens e as mulheres? Fazer ensino médio num colégio privado aumenta em quanto as chances de ingresso numa universidade pública? Vamos aos dados.
As diferenças de salário parecem estar mais associadas à sua raça e gênero do que aos tipos de faculdades cursadas
Antes disso, é importante deixar claro que não estamos descrevendo aqui uma relação de causalidade entre estudar numa faculdade pública, por exemplo, e os salários dos diferentes grupos demográficos, uma vez que as pessoas acumulam diferentes níveis de capital humano ao longo da sua vida, que são importantes para seu desempenho futuro e que podem ser correlacionadas com o tipo de escola que frequentam. Além disso, a qualidade das escolas públicas e privadas varia muito e as pessoas escolhem cursos diferentes no ensino superior. Dito isso, é interessante entender como se comportam os diferenciais salariais entre pessoas diferentes que cursaram faculdades diferentes.
Para fazer essa análise, juntamos os dados de 2016, 2017 e 2018 e separamos somente as pessoas com entre 25 e 39 anos de idade que moram em regiões metropolitanas, para trabalhar com uma amostra mais homogênea. O primeiro resultado interessante é que quem cursou ensino médio em uma escola privada ganha 126% a mais do que quem cursou uma escola pública, independentemente das suas escolhas futuras. E quem cursou uma faculdade pública ganha 11% a mais do que quem frequentou uma faculdade privada. O diferencial de cursar uma universidade pública com relação a parar de estudar no ensino médio para quem estudou em uma escola pública é de 150% e para quem estudou em uma escola privada é de 186%.
Um dos resultados mais interessantes é que a diferença salarial entre pessoas de raça e gênero diferentes tende a ser bem maior do que a diferença entre ter cursado uma faculdade pública ou privada para pessoas da mesma raça e gênero. A figura ao lado, por exemplo, compara o salário médio entre pessoas que cursaram tanto o ensino médio como o ensino superior em instituições públicas.
Enquanto os homens brancos desse grupo ganham cerca de R$ 5.400 por mês, os homens negros ganham R$ 3.800, as mulheres brancas têm salário médio de R$ 4.200, enquanto as mulheres negras ganhavam R$ 2.600. Ou seja, os homens brancos ganham mais que o dobro do que as mulheres negras que frequentaram o mesmo tipo de escola e faculdade (não necessariamente com a mesma qualidade). E os negros que frequentam universidade pública tendem a ser mais positivamente selecionados do que os demais grupos, pois tiveram que vencer mais dificuldades ao longo da vida.
Entre os que cursaram faculdades privadas e estão entre os 10% com maior remuneração no seu grupo demográfico, a média salarial dos homens brancos é de R$ 20.000, ao passo que entre os homens negros é de R$ 11.500, as mulheres brancas ganham R$ 12900 e as mulheres negras com maior remuneração ganham R$ 7.900. Esses dados indicam que parece haver uma dificuldade maior de acesso a posições mais bem remuneradas entre as mulheres e negros. Entre os 10% com menor remuneração, as diferenças salariais são bem menores, com exceção das mulheres negras, que ganham bem menos do que os piores remunerados nos demais grupos.
Para analisarmos os diferenciais de acesso à faculdade, trabalhamos somente com os jovens de 20 anos de idade que ainda moram com seus pais, para podermos estratificar a amostra de acordo com a educação do responsável (embora percamos os jovens que já saíram de casa). Ao fazermos isso, descobrimos que somente 17% dos jovens homens brancos com pais menos educados que fizeram o ensino médio em escolas públicas está na faculdade, ao passo que entre os filhos de pais mais educados na mesma situação (escolas públicas), 88% já estão no ensino superior.
Entre os jovens brancos oriundos de escolas privadas com pais menos educados, 57% está na faculdade aos 20 anos, três vezes mais do que os que estudaram em escolas públicas. Isso se reflete no valor das mensalidades das escolas privadas, que depende da probabilidade de entrada em uma boa faculdade e do diferencial de salários que essa faculdade trará para seus alunos.
A taxa de ingresso no ensino superior é maior entre as mulheres do que entre os homens em todos os grupos demográficos e tipo de escolas cursadas, menos entre as mulheres brancas com pais menos educados que cursaram o ensino médio em escolas privadas, que têm uma probabilidade 10 pontos percentuais menor de estar na faculdade do que os homens. Seria interessante entendermos melhor as razões para isso. Por fim, as diferenças nas probabilidades de ingresso no ensino superior entre os brancos e negros com pais menos educados é bem pequena, com exceção dos jovens negros que cursaram o ensino médio em escolas privadas.
Em suma, pequenas mudanças nos questionários das pesquisas domiciliares podem fornecer uma riqueza de informações que nos ajudam a entender melhor a nossa sociedade e desenhar políticas públicas para igualar oportunidades. A principal mensagem dessa análise exploratória dos novos dados é que as diferenças de salário entre as pessoas parecem estar mais associadas à sua raça e gênero do que aos tipos de faculdades cursadas no ensino superior, pelo menos entre os que completaram o ensino médio.
Fonte: Folha de SP
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.