Folha (publicado em 09/01/2022)
A dez meses daquela que promete ser a eleição mais conturbada desde a redemocratização, o engajamento de empresários e investidores em debates sobre a política nacional e o futuro do Brasil parece ter atingido um patamar poucas vezes visto, segundo avaliação de participantes ouvidos pela Folha.
O movimento teve início há cerca de um ano, ganhou corpo ao longo do segundo semestre de 2021 e deve voltar a se intensificar a partir do fim deste mês.
“Em mais de 30 anos de vida executiva, nunca vi esse meio tão mobilizado”, afirma Fábio Barbosa, sócio-conselheiro da Gávea Investimentos e ex-presidente do Santander e do Real, além da Febraban. “Mostra uma preocupação e um envolvimento com o destino do país muito mais intensos do que em anos anteriores.”
Organizações financiadas por representantes do setor privado interessados em contribuir para o aprimoramento da democracia e da política institucional surgiram ao longo da última década —algumas com o objetivo, inclusive, de formação de novos quadros. Entre os exemplos estão a RAPS, criada por um grupo de lideranças encabeçado pelo empresário Guilherme Leal, cofundador da Natura, e a RenovaBR, do investidor Eduardo Mufarej.
No último ano, porém, o que se viu foi o surgimento de diversos grupos informais, articulados por pessoas inconformadas com a polarização política, as ameaças antidemocráticas do presidente Jair Bolsonaro (PL) e a superficialidade do debate público. São investidores, acionistas, executivos e economistas que promovem encontros presenciais reservados, reuniões por Zoom e conversas por WhatsApp para aprender mais sobre os meandros da política, conhecer possíveis candidatos e discutir questões relacionadas ao pleito de 2022.
Apesar de bastante engajados nos bastidores, a maioria dos empresários consultados pela reportagem preferiu manter o anonimato. Um acionista que participa de vários grupos de discussão afirma que o empresariado tem medo de se expressar por receio de ser perseguido pelo governo atual, que ele classifica como uma presença nefasta.
Em agosto de 2021, a escalada golpista de Bolsonaro provocou uma rara manifestação explícita de diversos nomes de peso. O manifesto “O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados” foi assinado por figuras pouco habituadas a opinar publicamente sobre política, como o banqueiro Pedro Moreira Salles, o investidor Fersen Lambranho e Ana Lucia Villela, acionista da Itaúsa e fundadora do Instituto Alana.
Nos meses seguintes, vários signatários do manifesto estiveram envolvidos numa agenda intensa de encontros em torno da necessidade de articular uma candidatura de terceira via. O articulador de um grupo de debates afirma que não houve conversas apenas com Bolsonaro, porque entende que não há diálogo possível com o presidente, e nem com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —nesse caso, a justificativa é a recusa em dar palco ao petista.
Circularam pelos grupos interlocutores como o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, os senadores Rodrigo Pacheco e Simone Tebet, os governadores Eduardo Leite e João Doria, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, Ciro Gomes, Sergio Moro.
Um empresário presente em várias dessas conversas afirma que uma mensagem que o grupo buscou passar aos potenciais candidatos foi: abram mão da sua candidatura se você não estiver bem nas pesquisas e apoie alguém em melhores condições.
Neste início de ano, enquanto muitos representantes do PIB já dão como provável o embate entre Bolsonaro e Lula em outubro, várias lideranças ainda apostam na possibilidade de uma alternativa.
Esses empresários afirmam que, independentemente dos resultados das pesquisas —o último levantamento do Datafolha, de 16 de dezembro, mostrou Lula com 48% das intenções de voto e Bolsonaro com 22%—, há espaço para novidades até março ou abril, prazo para as articulações entre partidos e possíveis candidatos.
“Ainda temos três meses decisivos pela frente, não é hora de jogar a toalha”, afirma Horacio Lafer Piva, acionista da Klabin, fabricante de papel e celulose, e ex-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). “O momento é de segurar a ansiedade, ler os movimentos dos partidos e discutir não os candidatos que temos ou não temos, mas as propostas que queremos ter —destes que estão aí ou de outros.”
Lafer afirma que, nos grupos de que participa, o único consenso até o momento é o do “não” a Bolsonaro. “O fato de ele estar perdendo sua base de sustentação abre espaço para alternativas.”
“O jogo não está jogado”, diz Fábio Barbosa. “Uma coisa é o tempo da mídia e do mercado financeiro, outro é o tempo da política e dos partidos.
“Para o primeiro semestre, outra prioridade é a costura de ideias que possam influenciar o debate político pré-eleição —a exemplo do que fez o grupo do Encontro do Rio, articulado pelo apresentador Luciano Huck, que lançou 22 propostas para o Brasil em dezembro passado.
“Precisamos ter a chance de fazer uma discussão mais profunda sobre o país”, afirma Pedro Passos, copresidente do conselho de administração da Natura. “Enquanto há polarização, o bom debate não acontece.
“Passos diz que, além da mobilização crescente de lideranças empresariais, houve, nos últimos anos, uma efervescência de “boas formulações sobre o Brasil”. Ele cita os trabalhos de economistas como Armínio Fraga e Bernard Appy e de grupos como o CDPP (Centro de Debates de Políticas Públicas), presidido pelo economista Persio Arida.
Um empresário que pediu anonimato afirma que, apesar de existirem pessoas preparadas e com boas ideias, falta alguém com capacidade de aglutinar essas propostas e apresentá-las de um jeito que apele ao coração do eleitor.
Nesse contexto, um grupo que vem ganhando espaço e é elogiado pela qualidade das pessoas que conseguiu reunir é o Derrubando Muros, coordenado pelo empresário e sociólogo José César Martins. Prestes a completar dois anos de existência, é formado atualmente por 96 pessoas de diversas áreas e perfis —cerca de 30% são empresários— que trabalham voluntariamente na construção de uma “agenda com ambição” para o Brasil. Em 2021, realizou mais de 40 encontros.
“Não somos um grupo técnico-científico, mas uma iniciativa cívico-política que atua na curadoria e na construção de sínteses em temas críticos para o país, assim como na distribuição desse conhecimento”, diz Martins. No grupo há economistas como Armínio Fraga e André Lara Resende, especialistas em educação como Priscila Cruz, cofundadora do Todos pela Educação, e o ex-ministro Cristovam Buarque, ambientalistas e especialistas em Amazônia como Beto Veríssimo, do Imazon, Tasso Azevedo, do MapBiomas, e Ana Toni, do Instituto Clima e Sociedade.
“Nossa sociedade é da paz, mas não passiva”, afirma o documento de apresentação da iniciativa. Os próximos meses mostrarão a capacidade deste e de outros grupos de influenciar o futuro do país.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/empresarios-reforcam-engajamento-no-debate-eleitoral-de-2022.shtml
As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.