Entrevistas

Lula precisa dar sinal mais claro sobre política econômica, diz Arminio

Após declarar voto no petista, ex-presidente do BC afirma que ainda há receio sobre gestão fiscal

Valor

Não é razoável esperar que a campanha do ex-presidente Lula divulgue, antes da eleição, quem seria o ministro da Economia caso vença o pleito, na visão do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga. Mas há respostas que já deveriam ser dadas sobre qual será a direção da política econômica em um eventual governo petista.

Para Arminio, não há razão para acreditar que, se eleito, Lula voltará a adotar políticas como a expansão do balanço dos bancos públicos e do BNDES, ou reestatização de companhias. Mas seria importante que esse tipo de informação fosse divulgada de forma clara. “Essa sinalização poderia ser feita”, afirma. “Também não vejo nenhuma razão para o candidato do PT não dizer com toda a clareza que não dá para ter invasão de terras.”

Arminio Fraga declarou apoio à campanha de Lula no começo de outubro, depois de ter assinado manifestos a favor da democracia e das instituições, coordenados por acadêmicos e representantes do setor empresarial. A decisão foi tomada, segundo ele, por discordâncias com políticas adotadas pelo governo Bolsonaro, que envolvem desmatamento, fim da âncora do gasto e confrontos extremos entre os Poderes.

“Tomei a decisão de apoiar o ex-presidente Lula por acreditar que essas questões não só assustam do ponto de vista institucional ou cultural, mas acabam também tendo impacto sobre a economia”, afirma.

Mas Arminio considera, mesmo acreditando que o PT deva manter uma postura economicamente responsável, que a falta de informações claras sobre esse tema preocupa. “Há muito receio sobre qual vai ser o Lula que vai aparecer. No geral, estou achando o debate muito pobre, o que é uma pena.”

Com o objetivo de contribuir com ideias que enriqueçam o debate, Arminio redigiu uma entrevista fictícia com Lula em sua coluna na “Folha de S.Paulo”, publicada no dia 18, na qual o petista declara seu compromisso tanto com o combate à desigualdade, quanto com a responsabilidade fiscal.

“Procurei da melhor maneira que eu pude colocar no papel sugestões de algo que seria bom para um governo dele. Na prática, o governo do PT sempre foi de centro-esquerda, nunca foi radical. Então, eu não acredito que o PT vá querer reestatizar alguma coisa ou voltar àqueles experimentos do pós-Palocci”, disse.

Sobre a possibilidade de vir a ocupar o posto de ministro da Economia em um eventual governo Lula, uma conjectura inevitável desde que manifestou seu apoio ao petista, Arminio afirmou apenas que não está pensando a respeito.

Nesta quinta-feira, Lula divulgou um texto intitulado “Carta para um Brasil do Amanhã”, em que se compromete a combinar responsabilidade fiscal e social. No documento, ele reitera algumas declarações, como a intenção de “investir em serviços públicos e sociais, em infraestrutura econômica e em recursos naturais estratégicos”, e que os “bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo”.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor.

Valor: Os mercados financeiros começaram a mostrar uma reação mais clara à eleição desde o primeiro turno. Os investidores estão expressando uma preferência?

Arminio Fraga: O mercado brasileiro está sendo exposto a muita informação e incerteza, tanto às locais como às vindas de fora. No exterior, estamos vivendo um momento de muito estresse. Foram 40 anos de queda da inflação e do juro, tanto nominal como real. E, de repente, a inflação sobe fortemente, tanto por choques de oferta – alta do preço de commodities, do custo dos transportes -, quanto pela demanda. Nos Estados Unidos, as TIPs, títulos indexados à inflação, foram de -1% para 1,60%. A taxa das hipotecas de 30 anos subiu de 3% para 7%. No mundo inteiro, tem tensões imensas. A mais recente é a invasão da Ucrânia pela Rússia, com consequências graves na região. E antes, já tinha a nova Guerra Fria, envolvendo a China. Tudo isso está acontecendo ao mesmo tempo. E no Brasil, as questões são predominantemente políticas, mas conectadas com a economia. Tivemos um período muito turbulento com o atual governo. Mas, em paralelo, também vimos reformas acontecendo desde o governo Temer. As reformas da Previdência, a Trabalhista, o marco do Saneamento, foram movimentos importantes. Ao mesmo tempo, ainda convivemos com o colapso fiscal de enormes proporções, que aconteceu a partir de 2014. Depois disso, veio uma reancoragem do lado do gasto, mas que, na verdade, não conseguiu ser feita como se imaginava. Então não dá para dizer que estamos olhando para um ciclo econômico, que há uma mudança para um regime em que haverá uma reancoragem fiscal. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.

Na prática, PT sempre foi de centro-esquerda. Não vai querer reestatizar ou voltar aos experimentos do pós-Palocci”

Valor: Houve uma expectativa forte, logo após o primeiro turno, de que o candidato Lula poderia fazer uma sinalização mais clara sobre política econômica e sobre sua equipe, o que não aconteceu. O senhor acha que ele está demorando muito para dar essas informações?

Arminio: O ambiente que se vê numa campanha coloca essa pessoa em uma posição incômoda. Eu vivi isso com o Aécio [Neves, candidato à Presidência da República pelo PSDB em 2014] e, na época ele acabou divulgando meu nome como coordenador da área. Em uma disputa muito quente, propícia a populismos, o foco do adversário estará em cima das maldades [proposta de corte ou ajuste de gastos] que você está propondo. Então não é muito razoável ter um ministro indicado, de quem se espere detalhes. É assim mundo afora, aliás. As linhas gerais da estratégia econômica, aí sim, acho que fazem falta.

Valor: Quais respostas o PT poderia trazer neste momento?

Arminio: Na entrevista telepática que Lula “me deu” [texto publicado na Folha de S. Paulo em 18 de outubro], procurei da melhor maneira que eu pude colocar no papel sugestões de algo que seria bom para um governo dele. Na prática, o governo do PT sempre foi de centro-esquerda, nunca foi radical. Então, eu não acredito que o PT vá querer reestatizar alguma coisa ou voltar àqueles experimentos do pós-Palocci. Teve um momento em que 60% do crédito no Brasil estava nos balanços dos bancos públicos. Por mais que o Banco do Brasil e o BNDES, em particular, tenham muita gente competente, não é a melhor maneira de alocar capital em uma economia. Acaba sempre tendo problemas de gestão. Isso, inclusive, já ficou claro. Depois que o BNDES encolheu, o investimento vem subindo no Brasil muito em cima do mercado de capitais. O investimento em infraestrutura pode, predominantemente, ser financiado pelo mercado, pelos investidores internos ou externos, com algum dinheiro público em casos de objetivos sociais ou de desenvolvimento regional. Mas a maior parte do dinheiro tem vindo do capital privado, com regulação pública. Isso funciona bem. Essa sinalização poderia ser feita. Eu também não vejo nenhuma razão para o candidato do PT não dizer com toda a clareza que não dá para ter invasão de terras. Pode ter uma política de reforma agrária, dentro das regras. Mas imagine se a moda pega e o povo começa a invadir supermercado. Por que pode invadir terra e não pode invadir supermercado? No geral, estou achando o debate muito pobre, o que é uma pena.

Valor: Lula tem falado em ‘abrasileirar’ preço dos combustíveis, renegociar crédito, usar o BNDES para financiar investimento em infraestrutura. Essas declarações são vistas como típicas do período de campanha ou começa a crescer um receio de que as posturas sejam menos pró-mercado?

Arminio: Tem muito receio sobre qual vai ser o Lula que vai aparecer. Se vai ser o Lula do primeiro mandato, do segundo mandato, ou do terceiro mandato do PT, que foi o da Dilma. Nos temas que você citou, os combustíveis são uma commodity, com implicações importantíssimas para o planeta. Então subsidiar combustíveis fósseis… é duro, é caro. Também não acredito no BNDES superdimensionado, que acaba sendo capturado por interesses. Acho que o BNDES é um banco muito sério. Mas a relação carnal que existia entre o governo e seus financiadores e essas políticas todas é muito nociva ao desenvolvimento solidário. E renegociação de crédito é um tema complicado também. Os bancos têm interesse em manter suas relações de crédito. E se ficar dando perdão, vai é acabar com o mercado de crédito. Esse mercado tem mil outros problemas, e o Banco Central vem agindo nessa área tem muito tempo. No mundo do crédito, o volume está onde se tem garantia. Tipicamente, o maior disparado é o crédito imobiliário. Se esse sistema funcionar bem, se a garantia for boa, o crédito fica muito barato. Tem alguma coisa de crédito de bens duráveis. E tem o consignado, mas aí as taxas não são baratas e as pessoas não se dão conta. Taxas de 3%, 4% ao mês, o que dá 50% ao ano. Acho que essa é uma área muito boa para fazer grandes promessas, mas a discussão, a meu ver, carece de um fundamento. É preciso deixar claro que é um gasto público e que deve disputar espaço no orçamento. É assim que se quer fazer ou é melhor reforçar a assistência social? Vai ser preciso repensar isso tudo. O Bolsa Família funcionou bem, um programa voltado para a extrema pobreza. O que mais dá para fazer? É quase um consenso que é preciso de mais dinheiro para o SUS. Isso não é um choro corporativo, é um negócio sério. Então, em vez de pensar em dar perdão de dívida, é preciso pensar em desenhar melhor o sistema de crédito.

Em vez de pensar em dar perdão de dívida, é preciso pensar em desenhar melhor o sistema de crédito”

Valor: O atual governo Bolsonaro também tem lançado mão de algumas medidas classificadas como populistas, que há mais gasto público, durante a campanha. E, no Brasil, o histórico é de segundos governos serem menos responsáveis fiscalmente. De onde, então, vêm os principais riscos?

Arminio: Se você olhar todos os períodos desde que o PT assumiu, o período ‘Lula.1’ foi o de maior disciplina fiscal, o superávit primário bateu 4% do PIB. Mas o problema maior que eu tenho com relação ao governo atual não é econômico. É algo maior. É um receio de que estejamos descambando para uma cultura cheia de características indesejáveis. Na área econômica, [a pandemia] foi um período de emergência, isso confunde um pouco as coisas. Ao mesmo tempo, foi um período propenso a reformas. A passagem do Rodrigo Maia pela presidência da Câmara foi um período em que havia uma mentalidade reformista, de inspiração liberal. No geral, eu diria que a questão do governo Bolsonaro não é essa.

Valor: Qual é então?

Arminio: O governo Bolsonaro, em muitos aspectos, tem sido uma loucura. Desmatamento, armamento da população, fim da âncora do gasto, apesar de o governo ter feito uma política dura de congelamento dos salários, obscurantismo, e confrontos extremos entre os Poderes. Tomei a decisão de apoiar o ex-presidente Lula por acreditar que essas questões não só assustam do ponto de vista institucional ou cultural, mas acabam também tendo impacto sobre a economia. Elas vão minando a credibilidade, encurtam os horizontes de tempo. Mas são questões mais da área política. Na área econômica, eu penso que o PT desperdiçou oportunidades importantes de melhorar o país, talvez as melhores que já tivemos, quando deu uma guinada desenvolvimentista – o que é um uso criminoso do termo, porque não é desenvolvimentista coisa nenhuma, é um modelo velho e fracassado, que se esgotou no passado. O Brasil foi bem quando os motores eram industrialização, urbanização e até infraestrutura. Mas quando entrou o modelo mais século XXI, onde a produtividade é tudo, aí deu errado. Faltou muita coisa: educação, abertura, reforma tributária etc. Então tenho a esperança de que as lições tenham sido aprendidas e a estratégia econômica seja mais moderna e mais disciplinada, porque a situação financeira do Estado é péssima. Vai ser um período ruim para se trabalhar. Dá para compensar um pouco a quantidade, pensando na dívida e no gasto, com qualidade, mas não totalmente. Penso em um ambiente mais tranquilo, mais arrumado, mais moderno, que dê valor ao meio ambiente, à ciência, que desfaça estrago do atual governo, o que já seria bom.

Valor: O senhor aceitaria um convite para ser ministro da Economia?

Arminio: Não estou pensando no assunto.

Valor: O que seria um arcabouço fiscal adequado para o próximo governo?

Arminio: As âncoras que nós tivemos foram parciais. A Lei de Responsabilidade fiscal ancorava pelo superávit primário, o teto ancorava pelo gasto. No momento estamos sem âncora. Eu tenho defendido três âncoras. Uma é a do gasto, que não poder crescer indefinidamente como proporção do PIB – provavelmente alguma queda vai ter que acontecer se as grandes questões forem abordadas. Há amplo espaço para ajustes na folha de pagamentos do setor público, ainda na Previdência e em todos os gastos e subsídios tributários. Seria um projeto de médio prazo, que contemplaria a saúde fiscal e as prioridades do governo. Também é preciso ter uma âncora de endividamento. E a original, que é a Lei de Responsabilidade Fiscal, precisa ser recuperada também. Ela é que atua diretamente na dinâmica da dívida, através do saldo primário. Tem que pensar não só no tamanho do endividamento mas em outros aspectos, como a capacidade de fazer política anticíclica, e também na qualidade do gasto, do orçamento secreto etc. Trata-se de um enorme desafio, mas não há chance de sucesso para valer sem se encarar essas oportunidades.

Valor: O controle do Orçamento pelo Congresso atrapalha?

Arminio: Na prática, o presidente com mandato popular, eleito, tem muito poder. O presidente vai ter que usar, ele próprio entrar em campo. Acho que o próximo governo tem que jogar para ganhar, entendendo que o reajuste de prioridades é maior do que o ajuste fiscal. O que é preciso fazer com o gasto público vai muito além do que seria suficiente para acalmar a dinâmica da dívida. Acho que o Brasil não pode continuar tendo o Orçamento engessado, mas sobretudo gastando o que se gasta com folha de pagamentos, Previdência e subsídios. Essas três contas são gigantes. Sem mexer nisso, esquece, não resolve. Essa discussão tem que acontecer, e rápido. A reforma do Estado é urgente.

Valor: O senhor está preocupado com a reação a um resultado apertado na eleição?

Arminio: Sim, traz preocupações. Estamos vendo um cultura de violência nascendo. Claro que sempre houve violência nas áreas mais pobres, mas isso está se espalhando. É preciso não baixar a guarda. Há um receio sobre o que vai acontecer neste domingo, mas acho que pode ter um final feliz. Tem um outro aspecto a ser observado: esse lado mais conservador que estava sendo ignorado, assim como o papel das igrejas. Nosso sistema político vai ter que aprender a processar isso tudo, de maneira competente, compatível com o potencial de desenvolvimento do país, e esses temas vão ter que ser encarados. Não creio que os eleitores do atual presidente sejam todos violentos, obscurantistas. Tem outra dimensão que precisa ser levada em conta. Não são as minhas preferências, mas têm voto.

Valor: O que aconteceu com o PSDB?

Arminio: Eu penso que foi, sobretudo, um processo de auto-destruição, quase que de auto-flagelo. Pelo visto vão sobrar o Rio Grande [do Sul] e Pernambuco. Mas não me sinto competente para arriscar uma resposta. Mas é uma avaliação triste. Nunca fui filiado, mas era um sócio-atleta. Eu acredito no modelo social-democrata, liberal-progressista, alguma coisa nesse ponto do espectro. O próprio espectro político no Brasil está carente de mais clareza. Não só o encolhimento, quase desaparecimento, do PSDB é um problema. Mas é mais pelo que representa, inclusive. É um espaço que está mal ocupado.

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