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O Brasil pode (e deve) ser pivô dos grandes acordos comerciais

Folha de São Paulo


Como uma obra em construção, perpassando os governos de FHC, Lula, Dilma e Temer, a reforma do sistema de aposentadorias é polêmica, mas necessária. Apesar dos políticos, está sempre avançando. E não só aqui mas no mundo, tal como o desenvolvimento do comércio.

É a demografia (além das iniquidades entre os regimes público e privado) que força a readequação das regras previdenciárias devido ao viés universal de aumento da população idosa. E são a tecnologia e os eventos geoeconômicos que renovam o mapa do comércio no mundo —uma das áreas da economia brasileira mais resistente à inovação.

Embora aparentemente desconexos, os dois assuntos têm relação como exemplos da necessidade de atualização de velhos paradigmas, ideias e consensos. O que antes se via de um jeito, hoje se vê de outro, e mais por razões culturais, sociais e tecnológicas que políticas.

Contra tais forças da transformação não há como resistir. Elas são maiores que a vontade de governos. Na Previdência, reformas parciais deixaram um deficit de dimensões explosivas que em poucos anos sugaria toda a receita tributária se nada fosse feito. Mas será feito, pois não se trata de questão opcional. A inação nos condenaria à estagnação. Foi o que aconteceu com a indústria de ponta no Brasil.

A baixa exposição da economia ao comércio no mundo a partir dos anos 1980 encolheu o peso da indústria, com correlações negativas para a educação, o emprego, a tecnologia, a complexidade das cadeias produtivas e o crescimento.

O país se satisfez em produzir para o mercado interno e em reduzir importações, por meio de tarifas protecionistas, juros subsidiados, incentivos tributários. O efeito foi regressivo. Tais barreiras à concorrência externa deprimiram (e ainda deprimem, pois persistem) a agregação de valor à indústria e, sobretudo, a produtividade, sem a qual negócios não florescem e só há perdedores.

Nos últimos anos, o país teve chances de sair dessa armadilha, que levou ao atraso da indústria e bloqueou sua modernização. Por isso, a parcela dos componentes importados nas exportações manufatureiras —indicador clássico de inserção em cadeias globais de valor— é de apenas 14,3% no Brasil, segundo pesquisa da OMC e da OCDE (com dados de 2011), enquanto na China e na Coreia do Sul alcança, respectivamente, 40% e 47%.

A oportunidade desponta, outra vez, com o redesenho dos tratados de comércio e serviços como o TPP, reunindo 11 nações da Ásia e da América Latina (México, Peru e Chile), sob a liderança dos EUA de Barack Obama. Donald Trump rompeu o acordo e ficou isolado.

O TPP foi reaberto à revelia dos EUA, coincidindo com a diretriz do líder Xi Jinping de expandir a influência do comércio e do investimento chinês, ao tempo em que Japão, Austrália e Coreia do Sul articulam com Índia e Indonésia (excluídas do TPP) estratégias que não os façam satélites da China nem reféns do humor de Trump.

Na própria América Latina, sinais de maior integração econômica estão de volta à medida que o populismo enfraquece e o Mercosul se fortalece. Em tese, o Brasil seria pivô natural nessas construções geoeconômicas, que incluem a conclusão do acordo com a Europa e a consolidação de uma zona de livre-comércio na América do Sul.

Tais oportunidades históricas não vão cair no colo. O governo tem de tomar a dianteira desse processo, além de aposentar os devaneios terceiro-mundistas e desmontar a parafernália protecionista. Não dá mais para seguir protegendo negócios maduros que vão muito bem onde a concorrência é brava. É chegada a hora da maioridade.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Pedro Passos