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Perspectivas são sombrias sobre papel do Brasil na conferência do clima

Folha (publicado em 24/10/2021)

Uma anedota conhecida, cuja nacionalidade dos personagens costuma variar segundo o narrador e o povo que ele pretende ridicularizar, diz que um senhor idoso caminhava em direção à feira na cidade, quando vê dois jovens sentados sobre um galho alto de uma árvore, um deles ocupado em serrá-lo junto ao tronco.

O caminhante alerta que irão cair e se machucar, ao que os jovens respondem com um insulto. Resignado, o homem segue seu caminho.

Horas mais tarde, retornando à casa, passa pela árvore e vê os rapazes estatelados no chão. Um dos moços vira-se então para o outro e sussurra: ‘Finja que não está vendo, mas lá vem pela estrada aquele velho vidente’.

A busca por oráculos e videntes é frequente na história, literatura e mitologia, refletindo a ânsia inerente ao ser humano de conhecer o seu futuro. Infelizmente, com grande frequência estas previsões são imprecisas, ambíguas, ou simplesmente erradas.

Assim, devemos nos considerar afortunados pela divulgação, há dois meses, do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, ou IPCC no acrônimo em inglês.

Esse estudo, realizado por mais de 200 cientistas de diversos países, amparado em inequívocas evidências e contendo mais de 9.000 páginas é o trabalho mais crível, sério e abrangente já realizado sobre o futuro do clima. Justamente por isto, suas conclusões devem preocupar-nos a todos.

Após demonstrar de forma inquestionável que a atividade humana, ao longo do tempo, aqueceu a atmosfera, oceanos e a terra e que este fenômeno se tornou mais intenso nas últimas décadas, o estudo traça cinco cenários futuros, cada um deles associado a um comportamento das emissões de gases de efeito estufa.

Na hipótese mais favorável, as emissões de gases declinam gradualmente a partir de agora e chegam à quantidade líquida zero ao redor de 2050, entrando no território negativo a partir de então.

No outro polo, as emissões mantêm a tendência de crescimento, chegando a dobrar ainda neste século.

Entre os extremos, imagina-se que as emissões mantenham o nível atual até 2050. Para cada hipótese, o estudo projeta um intervalo de confiança para a elevação de temperatura média resultante e informa qual a sua “melhor estimativa”.

No melhor caso, teríamos em 2050 uma elevação de 1,6 graus em relação à média do período 1850-1900 (hoje está 1,1 graus acima), retrocedendo para 1,4 graus no final do século.

No cenário intermediário as elevações seriam de respectivamente 2 e 2,7 graus, passando para 2,4 e 4,4 graus na hipótese mais grave.

O estudo segue extraindo as implicações destes cenários para os seguintes fenômenos climáticos: temperaturas e chuvas extremas sobre terra e secas agrícolas e ecológicas.

A conclusão é que estes eventos se agravam exponencialmente a cada 0,5 grau de elevação na temperatura da terra.

Não é difícil inferir deste conjunto de dados e projeções que, excetuada a hipótese de uma reação eficiente que promova cortes ambiciosos nas emissões, assistiremos com frequência cada vez maior e gravidade crescente, a inundações, tornados, incêndios florestais, secas e quebras de safras.

O problema do clima será tratado na COP26 em Glasgow. Muitas esperanças se depositam sobre a possibilidade de que os países definam acordos e estratégias que conduzam à imprescindível redução de emissões.

Para que haja chances de êxito, é importante que se reconheçam as dificuldades e nada na história autoriza um sentimento de otimismo em relação aos resultados da reunião.

Ao contrário, são notórios os casos em que as principais nações do mundo reunidas falharam clamorosamente em prevenir grandes tragédias.

Tome-se como exemplo o fracasso da conferência de Paris de 1919, quando os países recusaram a proposta de Woodrow Wilson para uma “paz sem vencedores”, que teria dado ao mundo uma chance real de desenvolvimento pacífico.

Ao contrário, o que se obteve foram decisões insensatas que criaram o caldo de cultura onde germinou e se desenvolveu a segunda guerra mundial.

Pode-se argumentar que, àquela altura, o risco de um novo conflito global era muito menos evidente do que a ameaça climática presente, o que é verdade.

Poder-se-ia também dizer que recentemente o mundo tem mostrado uma capacidade de reação e articulação muito maior, no combate à grande ameaça mundial representada pela Covid, o que também procede, em que pesem as inúmeras falhas ainda existentes no processo, notadamente a falta de vacinas para as nações mais pobres.

Mas é importante ter em mente as duas diferenças fundamentais apontadas em recente palestra por Jared Diamond, que tornam a ameaça do clima menos dramática politicamente que a da pandemia.

Primeiramente, o fato de que as consequências trágicas da Covid se fazem sentir imediatamente e as do clima estão projetadas principalmente a partir de mais 20 ou 30 anos.

Em segundo lugar, o fato de que as mortes decorrentes da Covid lhe são claramente atribuíveis, quando ninguém diz que as vítimas das recentes inundações em Nova York e na Alemanha, ou da fome decorrente da quebra de safras na África, morreram de “aquecimento global”. Esses dados me levam a temer que nos frustremos com os resultados da COP26.

Finalmente cabe perguntar que papel o Brasil desempenhará nesta conferência. Neste ponto as perspectivas são bem mais sombrias.

O país que, por ter uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta e por dispor também da maior extensão de florestas e áreas protegidas, teria tudo para se destacar como exemplo, aparecerá como pária diante do mundo.

Isto não se deve apenas aos péssimos resultados obtidos em contenção do desmatamento desde 2014, agravados depois de 2019, mas também à narrativa negacionista e ao desmonte ativo do aparato de controle ambiental promovido pelo atual governo.

O país, que entre 2004 e 2012 foi capaz de reduzir em cerca de 80% o desmatamento demonstrando sua capacidade de fazê-lo quando há determinação, perde assim a credibilidade para se colocar diante de seus pares como merecedor de suporte para empreender os essenciais serviços florestais e ser reconhecido e remunerado pelos créditos de carbono gerados na proteção e desenvolvimento ambiental.

O país, ao menos temporariamente, perdeu seu “lugar de fala” em temas ambientais. É imprescindível recuperá-lo.

Não há dúvidas de que o Brasil dispõe de profissionais de várias especialidades, competentes e devotados à questão ambiental.

Dispõe também de uma parcela significativa do agronegócio que acredita na sustentabilidade e sabe que o negacionismo é deletério aos seus interesses.

Nossas decisões políticas determinarão as chances destes grupos prevalecerem e poderão impedir que venhamos a ser vistos como os jovens da anedota, que no caso presente serram um galho sobre o qual o mundo todo está sentado.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/candido-bracher/2021/10/perspectivas-sao-sombrias-sobre-papel-do-brasil-na-conferencia-do-clima.shtml

As opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Candido Bracher