Entrevistas

Brasil tem chance de se consolidar em outro patamar, afirma Levy

Reorganização das cadeias de valor e energia limpa são oportunidades para país, segundo ex-ministro

Valor

O Brasil tem uma oportunidade dupla para os próximos anos: o país pode tanto de se consolidar em outro patamar como importante parceiro comercial e de negócios internacionais diante da reorganização das cadeias de valor, quanto se tornar referência global em energia limpa e descarbonização, avalia o diretor de estratégia econômica e relação com o mercado do Safra e ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em entrevista em Nova York durante o Brazil Summit 2022, organizado pelo “Financial Times” com parceria de mídia do Valor.

Uma das vantagens do país em um ambiente global em transformação, causada pela pandemia e acirrada pela guerra na Ucrânia, é justamente o fato de o Brasil estar longe de áreas de conflito, além de ter um perfil de menor risco geopolítico.

“O Brasil durante muitos anos montou reputação de democracia estável, de continuidade com respeito e convergência e isso é o mais importante para investidor estrangeiro”, explica Levy. “Os países estão reavaliando suas cadeias de suprimentos e de valor”, afirma. “As características do Brasil têm um grande valor [para investidores internacionais], se a elas se unirem a confiança da previsibilidade e transparência da administração.”

Na visão do economista, “temos visto já alguma sinalização de que os estrangeiros estão voltando a olhar o Brasil de uma maneira diferente [diante da recente deterioração da imagem no exterior], se a gente sinalizar nessa direção”. Conforme o diretor do Safra, “somos um país em que se pode confiar, que contém animosidades e tem previsibilidade”.

Em paralelo, o Brasil tem, segundo ele, uma grande oportunidade nas áreas de energia limpa e crédito de carbono. “Temos uma matriz de biocombustível testada e competitiva que pode ser combinada com motor elétrico para entregar um enorme ganho de produtividade”, citou como aplicação prática.

De acordo com o economista, o Brasil teria grandes vantagens setoriais, além de ter crescimento de produção e emprego, “com a eletrificação da economia”. Levy explica que ele próprio conduziu um estudo que ainda será publicado que embasa essa tese.

O ex-ministro reforça que os ativos naturais são outra fonte de geração de novas fontes de renda par ao país. “Plantar árvores ou só deixar a floresta voltar é uma máquina de sequestro de carbono que não tem competição no momento. Hoje não há nada mais eficiente e barato que permitir à floresta se regenerar. Isso captura de dez toneladas a 15 toneladas de carbono por hectare por ano.”

O investimento em energia renovável, na visão de Levy, ajuda a aumentar a produtividade na economia. “Hoje ter energia elétrica renovável é mais barato que outras fontes”, afirma. “Energias eólica e solar são muito menos custosas, é a produção de energia mais barata que a gente tem.”

Essa redução de custo, segundo ele, por si gera aumento de produtividade. “Quando produzimos algo mais barato, tem mais produtividade, se tem carro que anda o dobro tem aumento de produtividade, se tem uma aço que não pagar sobretaxa devido uso de carvão, tem aumento de produtividade”, pontua.

Conforme Levy, “durante um bom período vai ter um aumento da produtividade total dos fatores”. Isso ocorre porque menos custo e mais recursos para investimentos se refletem em mais emprego. “Se o desemprego baixou, sem afetar os salários, tem aumento de produtividade da mão de obra. Um exemplo foi no período entre 2000 e 2010, quando a produtividade total dos fatores aumentou significativamente porque o país cresceu usando recursos que em grande parte ele já tinha sem sair gastando [mais do que arrecada].”

O ex-ministro ressalta ainda que “sem dúvida o Brasil pode se tornar referência mundial no uso de energia limpa de baixo custo”. Ele afirma que, para isso, o país precisa organizar e incorporar essas prioridades na estratégia de crescimento. “Se fizermos isso, rapidamente podemos nos tornar uma referência e, na parte de crédito de carbono podemos nos tornar um provedor internacional.”

Levy defende que o governo precisa ter um planejamento claro sobre como vai enfrentar as grandes questões da economia, como estímulo ao aumento da produtividade e o equilíbrio fiscal. “Quando você tem um plano, o dinheiro aparece e o governo não precisa ficar gastando, gastando e gastando”, afirma. “A maior dificuldade no Brasil é uma confusão, uma incerteza sobre a direção que o governo está caminhando e isso dificulta o financiamento.”

Ele diz acreditar que, se o investidor estrangeiro tiver clareza sobre os rumos da economia, o capital começa a entrar no país com mais força e de maneira mais sustentável. “Estabelecendo metas claras pode trazer mais capital ao Brasil, o que reduz a pressão sobre gastos públicos”, diz. “Com isso, o governo pode usar o dinheiro com mais disciplina o que permite que os juros domésticos caiam.”

O diretor-gerente do FT Live, Orson Francescone, acredita que “a estabilidade política é sempre uma questão muito importante para o Brasil” sob a ótica do capital estrangeiro. “Se queremos que investidores internacionais e mercados de capitais internacionais ajudem o Brasil em sua busca pelo crescimento, questões de estabilidade política, eficiência do sistema legal e corrupção são realmente importantes”, avalia.

Na visão do diretor do “Financial Times”, “essas são variáveis de longo, longo prazo que ainda precisam ser trabalhadas no Brasil”. Conforme o especialista, “para que os investidores internacionais sejam atraídos para o Brasil, a estabilidade política, econômico-financeira, de câmbio e moeda são variáveis realmente importantes”.

Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/05/11/brasil-tem-chance-de-se-consolidar-em-outro-patamar-afirma-levy.ghtml

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