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Por uma lei nacional do serviço público

Estadão

A Constituição impõe a realização de concursos públicos para empregos e cargos públicos efetivos. Os concursos podem ser uma importante ferramenta para melhorar a qualificação do funcionalismo público, mitigar influências políticas, proteger contra a corrupção e motivar quem tem vocação pública.

Mas não tem sido fácil assegurar seleções realmente eficientes, estimulantes e isonômicas, como deveria ser. Por quê?

Um dos motivos é a grande desigualdade entre as administrações públicas quanto a recursos financeiros, infraestrutura e pessoal especializado, bem como quanto à maturidade normativa, isto é, à existência de leis específicas modernas para regular seus concursos.

A administração federal, com elevada capacidade institucional e leis mais atuais, tem conseguido organizar alguns concursos considerados referências de sucesso. Mas Estados e, sobretudo, municípios, que em geral lidam com escassez de recursos e leis confusas, insuficientes ou anacrônicas, frequentemente têm mais dificuldades.

Nas administrações estaduais e municipais, a falta tanto de regras legais avançadas como de memória institucional e de acesso à expertise tem impedido que gestores organizem concursos que de fato atendam às necessidades. Isso afeta a qualidade da gestão pública. Quem perde é a população, que depende dos serviços básicos do poder público, como saúde, educação, transporte, segurança, etc.

Levantamento do Centro de Liderança Pública (CLP) sobre a evolução do número de servidores públicos em cada ente da Federação nos últimos cinco anos (entre 2016 e 2021) mostra alguns dos problemas.

Em 2021, servidores federais correspondiam a 15,9% do total; estaduais, 31,6%; e municipais, 52,5%. Entre 2016 e 2021, a variação por ente federativo foi a seguinte: em âmbito federal, crescimento de 0,3%; estadual, diminuição de 6,2%; e municipal, crescimento de 10,6%.

Os municípios não só concentram a maioria dos servidores, como são os que mais recrutaram nos últimos cinco anos. Em suma: quem tem mais dificuldade para lidar com concursos é justamente quem mais precisa fazê-los.

O cenário é desafiador, mas medidas relevantes estão em andamento.

A Câmara dos Deputados está discutindo o projeto de Lei Nacional de Modernização dos Concursos Públicos (PL 252/2003), proposto pelo deputado Eduardo Cury (PSDB-SP), que é relator do tema na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Um dos objetivos é desonerar as administrações de burocracias e restrições contraproducentes; outro é autorizar as administrações estaduais e municipais a se valerem de fórmulas e métodos já em uso no âmbito federal; e busca-se, ainda, reduzir o custo dos concursos com o uso das novas tecnologias.

A nova lei nacional pode melhorar a organização dos concursos, a partir, por exemplo, da padronização das informações mínimas necessárias ao edital, como denominação e quantidade dos postos a prover, com descrição de suas atribuições e dos conhecimentos, habilidades e competências necessários.

Ela permitirá que, de modo seguro, as administrações estaduais e municipais modernizem seus métodos de seleção. Em caráter geral, suprirá exigências de autorização legal para o uso de técnicas atuais e relevantes, dispensando a necessidade de aprovar leis específicas para cada carreira, em cada unidade da Federação. Ela também abrirá espaço, por exemplo, para os concursos em carreiras na área de segurança utilizarem avaliação psicológica – método empregado em concursos federais, mas frequentemente barrado em outras administrações apenas pela falta de leis específicas.

A lei contribuirá, ainda, com o barateamento do concurso, pela atualização de sua infraestrutura. A partir dela, as administrações poderão, por exemplo, regulamentar a realização do concurso a distância. Os vestibulares feitos durante a pandemia mostraram que diversas atividades podem ser realizadas com segurança de modo remoto, com potencial de reduzir os custos, diminuir os prazos e ampliar o amplo acesso de candidatos, ajudando na diversidade.

Com a iniciativa, o Congresso Nacional busca, a partir de sua competência constitucional para editar normas gerais sobre procedimentos administrativos e sobre o respeito devido a princípios constitucionais, estabelecer as regras mínimas para o concurso ser capaz de atender às necessidades da administração contemporânea.

A proposta foi elaborada com apoio do Núcleo de Inovação da Função Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP). A partir de pesquisas acadêmicas e diálogos com gestores públicos, controladores e especialistas em geral, buscou-se “uma lei com as normas mínimas necessárias para, preservando as experiências de sucesso já em andamento, assegurar a efetividade nacional dos concursos públicos”.

O PL 252/2003 deve ser pautado na CCJC nos próximos dias e, se acolhido, irá para votação, em regime de urgência, no plenário da Câmara dos Deputados. Após quase 20 anos de discussão, a aprovação do projeto significará a aguardada normatização modernizante de que o Brasil precisa.

Link da publicação: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,por-uma-lei-nacional-do-concurso-publico,70004123538

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Carlos Ari Sundfeld

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Conrado Tristão