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Como ler os sinais que vêm do governo eleito

No próximo domingo, haverá mais em jogo que a presidência do BID

Folha

Duas semanas após o segundo turno das eleições, as manifestações de inconformismo amainam, embaladas pelo ensurdecedor silêncio do Planalto. Enquanto isso, o país volta as suas atenções para os sinais que emanam do campo vitorioso, procurando ler nas folhas de chá das indicações para a equipe de transição, nas atitudes e pronunciamentos do presidente eleito e seu círculo mais próximo, o direcionamento que será dado à condução do país nos próximos quatro anos.

A tarefa não é fácil. O amplo arco de alianças que se formou para eleger Lula comporta linhas de pensamento bastante diversas entre si, bem como combina apoios antigos e recentes. Estão lá desde os companheiros históricos, que o acompanharam nos penosos caminhos da Lava Jato e da prisão, até aqueles que se aliaram a ele no período eleitoral —especialmente no segundo turno— movidos mais por uma aversão aos riscos à democracia percebidos na continuidade do atual presidente do que por uma efetiva afinidade com o ideário do PT.

Embora tenha ampla liberdade para escolher sua equipe, a posição de Lula apresenta significativas dificuldades. Não há como agradar a todo o vasto leque de seus seguidores. Ademais, não são apenas os seguidores que contam; Lula será o presidente de todos os brasileiros e a ninguém interessa que o país se mantenha dividido pelos quatro anos do seu mandato.

Como político experiente que é, Lula sabe que muitas vezes o papel do líder consiste em saber frustrar as expectativas imediatas —e imediatistas— de seus liderados, em nome de um objetivo maior, mais palpável e sustentável. Isto é especialmente verdadeiro, quando essas expectativas estão apoiadas em rancores e revanchismos; o ressentimento nunca foi bom conselheiro.

Talvez nenhum líder tenha exibido maior capacidade de desapontar parte importante de seus seguidores do que Nelson Mandela. Ele, que após 27 anos encarcerado teria todas as justificativas para perseguir seus opressores, soube conduzir seu país a uma democracia multirracial, através de atitudes efetivas e simbólicas, que contemplaram e combinaram interesses de todas as partes envolvidas. A história lhe fez justiça, ao reconhecer a sabedoria da sua conduta.

Enquanto a ansiedade cresce por conhecer a composição do ministério, o que poderá demorar ainda algumas semanas, teremos muito proximamente um indicador claríssimo da natureza da liderança que teremos no país. Refiro-me à eleição para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento que ocorrerá no domingo, 20 de novembro.

O BID é a mais importante instituição financeira multilateral das Américas. Apoia projetos de desenvolvimento em todo o continente e a qualidade de sua avaliação confere grande credibilidade aos projetos financiados, o que é decisivo para atrair outros financiadores públicos e privados. Seu presidente é eleito para um mandato de cinco anos, por uma assembleia onde estão representados os 48 países membros. A eleição requer o voto da maioria ponderada dos países membros, assim como o apoio de ao menos 15 dos 28 países regionais, que são um subgrupo dos países membros.

Em todos os seus 63 anos de existência, o BID nunca foi presidido por um brasileiro. Isto pode mudar agora. Notícias colhidas em Washington por diversas publicações, informam que Ilan Goldfajn, o candidato brasileiro, indicado pela gestão Bolsonaro através do ministro Paulo Guedes, é apontado como favorito para vencer as eleições. Esse favoritismo, no entanto, só se confirmará se o candidato receber o apoio explícito do governo Lula.

Esse apoio até o momento não apenas não se materializou, como o ex-ministro Mantega enviou uma carta à secretária do Tesouro norte-americano, propondo o adiamento das eleições, para que o novo governo pudesse indicar um candidato. O pedido, extemporâneo e inadequado, foi negado como esperado, e as eleições ocorrerão na data prevista.

Ilan é um profissional particularmente talhado para exercer a função. Combina em seu currículo ampla experiência acadêmica e executiva, tanto no setor público, quanto privado. É doutor pelo MIT, foi diretor e presidente do Banco Central do Brasil, economista-chefe do Itaú e hoje ocupa a importante diretoria do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. Destacou-se em todas essas funções, assim como, segundo informes dos jornais, destacou-se na sabatina promovida pelos 48 países sócios no último domingo.

Lula, por sua vez, mantém absoluto silêncio em relação à eleição. Não aprovou, nem desautorizou a carta propondo adiamento das eleições.

A eleição de Ilan fará diferença para o BID e para o Brasil, que busca recuperar seu prestígio internacional, após quatro anos de absoluto descaso em relação ao nosso papel na cena global.

Quando o resultado da eleição for anunciado nesse domingo, saberemos se Lula se comportou como líder de um país, ou de um partido. Isso será um sinal importante em relação ao que devemos esperar dos próximos quatro anos.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/11/como-ler-os-sinais-que-vem-do-governo-eleito.shtml

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Sobre o autor

Candido Bracher