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Nem tão pior, longe do melhor

Brasil tem nas mãos os elementos para surpreender positivamente em 2023, mas ambiente local responderá na exata medida de como resolver o “pseudo” dilema entre racionalidade e discurso

Infomoney

Tivemos uma mudança significativa de sentimento sobre o cenário global no último trimestre de 2022 e, agora, a perspectiva está um pouco mais animada.

A começar pela China, cujas autoridades abandonaram a política de Covid zero, caminhando para alívio de restrições e encerramento de lockdowns e reabertura econômica completa. O crescimento chinês encerrou o ano em 3%, bem abaixo da meta de 5%. Para este ano, a importância do compromisso de crescimento falou mais alto. Essa mudança coloca viés mais positivo no mercado de commodities, com destaque para demanda de petróleo e minério de ferro.

Nos Estados Unidos, o relevante tem sido a consistência na desaceleração da inflação, assim como algumas surpresas baixistas. Essa dinâmica ajuda a corroborar o argumento de que não será necessária uma forte recessão para trazer os preços para baixo. Desta forma, até mesmo as expectativas de inflação um ano à frente medidas pela Universidade de Michigan apontam para 4%, com tendência de queda.

Isso tudo tem refletido na própria postura adotada pelos diretores do Federal Reserve (Fed, banco central americano), dispostos e intencionados a reduzir o ritmo de alta de juros, provavelmente parando a taxa ao redor dos 5% ao ano. Mesmo a Europa, que acabou enfrentando um inverno bastante mais ameno, conseguiu acomodar melhor a sua necessidade de gás no período, reduzindo muito o risco de recessão neste ano, principalmente na Alemanha.

Uma melhora relativa de curto prazo também pode ser vista no Brasil, na esfera fiscal. Nos recordemos que, após a vitória em segundo turno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos principais anseios era a nomeação do ministro da Economia, bem como a composição da equipe econômica. A sinalização pelo nome de Fernando Haddad na Fazenda foi recebida de forma bastante negativa pelos agentes.

Ainda em processo de digestão do novo ministro, antes da janela festiva de fim de ano, acompanhamos a aprovação da PEC de Transição com redução do estímulo fiscal para R$ 168 bilhões por um prazo de um ano. Ademais, Haddad fez indicações para compor sua equipe, de modo que os olhos ficaram mais atentos para Bernardo Appy, Gabriel Galípolo e Guilherme Mello, este último responsável pela secretaria de política econômica.

Desde então, o destaque tem sido transparecer a visão de um perfil mais diligente do governo sobre o cenário fiscal brasileiro, apesar do discurso recorrente do presidente. Além da equipe do Ministério do Planejamento, que é de bastante qualidade.

Curiosamente, o protagonista disso é ninguém mais do que Haddad.

O ministro está conseguindo trazer algumas reações mais positivas para o mercado, especialmente por reforçar a apresentação do novo arcabouço fiscal no primeiro semestre deste ano, sujeito a antecipação para abril; a sustentabilidade da trajetória da dívida pública; e o processo de reforma tributária.

As primeiras medidas de recuperação fiscal apresentadas em janeiro tiveram uma leitura melhor do que o esperado. Propostas na esfera da receita e maior redução de despesas permitiriam ao governo potencialmente ter um resultado primário entre -0,5% e -1% (ante -2%).

Haddad tem estabelecido a meta de zerar o déficit em 2024. Ainda assim, o ministro tem o desafio de resolver dois assuntos relevantes: a questão do reajuste do salário mínimo e a reoneração dos tributos federais sobre combustíveis, ambos sujeitos a pressão política significativa.

Dito isso, estamos vendo uma certa “queda de braços” no Brasil entre a equipe econômica (e até a política) e o discurso do presidente, até aqui bastante belicoso com relação à racionalidade econômica, fiscal e monetária.

O ambiente local responderá na exata medida de como resolvemos esse “pseudo” dilema entre racionalidade  e discurso. O Brasil tem em suas mãos todos os elementos para surpreender positivamente este ano – só depende de que caminho iremos seguir.

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As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Luiz Fernando Figueiredo