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A meta de inflação baixa beneficia o trabalhador – e não o oposto

Brazil Journal

Em entrevista recente, fiel a seu recém-adquirido hábito de jogar cascas de banana no outro lado da rua para em seguida atravessar e escorregar nelas, o Presidente Lula criticou a atual meta de inflação. Em suas palavras: “Por que o Banco [Central] é independente e a inflação, os juros estão do jeito que estão? Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%, quando você faz isso, é obrigado a ‘arrochar’ mais a economia para atingir aqueles 3,7% [a meta em 2022, na verdade, foi de 3,5%]. Por que precisava fazer os 3,7%? Por que não fazia 4,5%, como nós fizemos?”

A ideia que parece nortear a proposta do Presidente não é de difícil compreensão: trata-se de elevar a meta de inflação para que, supostamente, o Banco Central possa reduzir a taxa básica de juros, possibilitando crescimento mais rápido da economia.

A facilidade de compreensão, contudo, não é critério de verdade (senão poderíamos acreditar que a Lua é mesmo feita de queijo). No caso, é uma proposta equivocada, cujo efeito final será o oposto ao desejado, isto é, taxas de juros reais ainda mais altas e menos crescimento.

Há, na proposta presidencial, uma crucial suposição implícita, qual seja, que – mesmo em face de um anúncio público sobre uma meta mais elevada de inflação – as pessoas não alterariam seu comportamento, em particular no que diz respeito à fixação de preços e salários. É difícil acreditar neste tipo de coisa.

Há preços na economia que permanecem fixos durante períodos determinados. O melhor, mas não único, exemplo é o salário, que, uma vez acordado, não se altera tipicamente por um ano. Assim, ao negociá-lo, os trabalhadores têm que levar em conta não apenas a inflação desde o último reajuste e as condições objetivas do mercado de trabalho (se há falta ou excesso de vagas, por exemplo), mas também, e crucialmente, qual será a inflação ao longo do período em que o salário ficará sem reajuste.

Se a inflação esperada for baixa, a provisão contra a corrosão inflacionária inclusa no salário também o será; se for elevada, tanto maior será o reajuste hoje para compensar as perdas esperadas ao longo dos próximos 12 meses. Posto de outra forma, expectativas sobre o comportamento futuro da inflação influenciam os salários de hoje.

Da mesma forma, a inflação esperada afeta – hoje – o conjunto de preços da economia: quanto mais alta, tanto maior será o aumento corrente dos preços. (Esta contribuição à teoria e prática macroeconômica, diga-se, ajudou Milton Friedman, Edmund Phelps e Robert Lucas a ganhar o Nobel de Economia).

As estimativas do BC sugerem que um aumento de um ponto percentual na inflação esperada leva ao acréscimo de cerca de meio ponto percentual na inflação corrente, um impacto nada modesto.

Obviamente, as expectativas de inflação podem estar certas ou erradas. No entanto, quando é o próprio governo, por meio de decisão do Conselho Monetário Nacional (órgão composto pelo Ministro da Fazenda, Ministra do Planejamento e Orçamento, assim como o presidente do BC), quem indica que o Banco Central deve perseguir uma inflação mais elevada, é mais do que razoável concluir que as expectativas de inflação devam subir.

Isto já seria complicado se o BC gozasse de grande credibilidade, aferida, por exemplo, pela proximidade entre as expectativas inflacionárias e a meta de inflação. Todavia, não é o que observamos. Pela pesquisa Focus mais recente, as taxas esperadas de inflação para 2023, 2024 e 2025 são, respectivamente, 5,5%, 3,9% e 3,6%, contra metas de 3,25%, 3,0% e 3,0% nos mesmos anos.

Outras medidas de inflação esperada também apontam para valores acima da meta, evidenciando que, mesmo com tempo de sobra para a atuação da política monetária, o público não confia na capacidade do Banco Central de entregar a inflação ao redor dos objetivos estabelecidos pelo CMN. Ou seja, a inflação esperada deverá também se situar em patamar acima das novas metas de inflação.

Isto deve levar, como argumentado, à aceleração da inflação e, portanto, à necessidade de reação por parte do Banco Central, em linha com sua regra de política monetária.

Independentemente do formato preciso da regra, todos os bancos centrais historicamente capazes de manter a inflação ao redor da meta adotam um mesmo princípio: caso a inflação suba (ou caia) um ponto percentual, a taxa de juros deve subir (ou cair) mais do que um ponto percentual.

A intuição acerca de tal princípio é menos complicada do que parece. Ao elevar a taxa básica de juros mais do que a inflação, o Banco Central garante que a taxa real de juros suba quando a inflação é mais alta, o que leva à desaceleração da economia e, consequentemente, da inflação. Da mesma forma, quando a inflação cai, o Banco Central reduz a taxa real de juro e induz ao crescimento mais vigoroso da atividade e dos preços.

Caso não siga este princípio, qualquer banco central perderá a capacidade de estabilizar a inflação.

Assim, num cenário de aceleração da inflação motivada por elevação da meta, o Copom teria que elevar a taxa real de juros, sob pena de perder seu controle, com impacto negativo sobre crescimento e emprego. Conforme alertávamos, o contrário do que se imagina ser o resultado do aumento da meta.

O arremesso de casca de banana é um esporte de alto risco.

Link da publicação: https://braziljournal.com/opiniao-a-meta-de-inflacao-baixa-beneficia-o-trabalhador-e-nao-o-oposto/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Alexandre Schwartsman