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Elevar meta de inflação é apagar fogo com gasolina, diz Pastore 

Para ex-presidente do BC, mudar alvo levaria a juros mais altos e a crescimento mais baixo

Valor

Elevar a meta de inflação num momento de piora das expectativas para os índices de preços “equivale a tentar apagar o fogo com gasolina”, diz o ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Para ele, as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à autonomia do BC e ao nível da meta são um erro grave. Se o governo optar de fato pela mudança do alvo perseguido pela autoridade monetária, “o resultado será o aumento da inflação, com a taxa real de juros permanecendo mais alta, e o crescimento econômico mais baixo”, aponta relatório da consultoria do ex-presidente do BC, a A.C. Pastore & Associados.

Na semana passada, em entrevista à GloboNews, Lula classificou a independência do BC como “bobagem”, além de ter mostrado reservas quanto ao nível das metas de inflação. “Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando você faz isso, é obrigado a ‘arrochar’ mais a economia para atingir a meta. Por que precisava atingir os 3,7%? Por que não fazia 4,5% como nós fizemos?”, afirmou o presidente. Na verdade, a meta de 2022 era de 3,5% e a de 2023, de 3,25%.

No relatório, a consultoria de Pastore diz que o Brasil vive atualmente “um conflito fiscal-monetário, com a política monetária mantida em território restritivo enquanto a política fiscal persiste expansionista”. De março de 2021 a agosto de 2022, a Selic subiu de 2% para 13,75%. Os juros em alta combatem a inflação, enquanto a condução frouxa das contas públicas a alimenta, observa a A.C. Pastore. “A forma correta de resolver tal conflito começa com a redução do déficit primário de 2023 e com a construção de um arcabouço fiscal, dando respaldo à política monetária”, aponta o texto. O resultado primário é a diferença entre receitas e despesas, sem considerar gastos com juros. “Infelizmente, em um surto de populismo, o presidente da República abriu uma campanha para ridicularizar a independência do Banco Central e elevar a meta de inflação, que é o caminho errado”, afirma a consultoria.

Pastore destaca que a inflação esperada para 2023 – hoje em 5,48% – está acima do limite da banda de tolerância da meta, de 4,75% neste ano. “O crescimento das expectativas não veio do ‘azul do céu’, e sim de uma expansão fiscal que contrabalançou o efeito da política monetária”, diz o relatório. Em 2022, o governo de Jair Bolsonaro adotou uma série de medidas para estimular a economia, como a elevação do Auxílio Brasil no segundo semestre para R$ 600, além da instituição da bolsa caminhoneiro e da ampliação do valor do vale gás. Olhando para frente, o que se enxerga pelo lado fiscal é um pacote frouxo, que não produzirá uma queda significativa do déficit primário, avalia a A.C. Pastore, ao comentar as medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Nesse cenário, as expectativas de inflação seguem em trajetória de piora. No Boletim Focus do BC divulgado na segunda-feira, o IPCA projetado para 2023 subiu de 5,39% para 5,48%, na sexta semana de alta consecutiva. Para 2024, as expectativas pularam de 3,7% para 3,84%.

Para Pastore, elevar a meta de inflação com expectativas desancoradas seria um erro semelhante ao cometido pela ex-presidente Dilma Rousseff em seu primeiro mandato, quando forçou o BC a baixar a taxa de juros com as estimativas para os preços em deterioração. Segundo ele, isso criou as condições para a perda do controle da inflação, levando ao aperto monetário que iniciou a recessão de 2014. “Parece que eles não aprendem com a história”, disse o economista ao Valor.

Pastore vê as expectativas em franca desancoragem. “Quanto mais o presidente fala em mudar a meta e quanto mais ele bate no BC independente, pior a credibilidade. Nesse passo, o cenário-base do mercado financeiro é a taxa em 13,75% durante todo o ano.” Em resumo, o discurso de Lula tem o efeito de adiar o início do corte dos juros, em vez de antecipá-lo.

“Tal erro, se cometido, sinalizará que o governo quer que o Banco Central seja mais leniente com a inflação, baixando a taxa de juros para permitir maior crescimento econômico”, diz a consultoria. “Atualmente a autoridade monetária brasileira tem dois caminhos a seguir, e terá que fazer escolhas diante de uma economia que, devido à restrição monetária, já dá sinais de desaceleração”, observa o relatório. Se reafirmar a sua independência diante de maior pressão nas expectativas, terá que elevar a taxa de juros, de modo a reiterar o seu compromisso com a meta de inflação. “O resultado será uma atividade ainda mais contraída, com os juros reais mais altos, e uma inflação final maior ao consumidor. Caso opte por consentir com o governo, as expectativas terão novo ciclo de deterioração, o que também levará a um crescimento de preços mais rápido e a uma inflação continuamente crescente.”

Link da publicação: https://valor.globo.com/financas/noticia/2023/01/27/elevar-meta-de-inflacao-e-apagar-fogo-com-gasolina-diz-pastore.ghtml

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