Artigos

E por falar em cultura…

Brasileiros valorizam o trabalho, mas só 48% consideram que, no longo prazo, trabalho duro propicia uma vida melhor

Valor

Processos de transformação cultural são recorrentes no mundo corporativo, e são essenciais para empresas longevas e bem-sucedidas, como aquela em que trabalho. Empresas começam, a propósito, a desenvolver um novo papel, o Chief Culture Officer (CCO).

Ocorre que cultura e valores também são importantes para o desempenho econômico dos países. Fatores culturais podem influenciar a taxa de crescimento por interagirem com outros determinantes. Valores e características culturais podem, de forma mais nítida, influenciar níveis de renda.

Nesse contexto, os resultados da World Values Survey (WVS), pesquisa global sobre aspectos culturais, feita em 120 países, de cinco em cinco anos (a última onda foi entre 2017 e 2021), nos permitem observar quais valores prevalecem em economias de alta performance e/ou nível de renda per capita, e comparar com os que os respondentes brasileiros manifestaram.

Não se trata, em hipótese alguma, de estabelecer uma hierarquia de valores, ou de julgar se há valores corretos ou incorretos. A ideia é simplesmente verificar se há diferenças culturais importantes, no que tange à economia, entre certos países. A relevância desses fatores, para o desempenho econômico, é algo que merece estudo muito mais aprofundado, que não cabe nesse espaço.

A comparação é com os Estados Unidos, China, Japão e Alemanha. Brasileiros têm atitude favorável em relação ao trabalho, considerado muito importante na vida das pessoas por 61% da população, ante 45% na China, 42% na Alemanha, 39% nos EUA e 38% no Japão. Brasileiros tendem, também, a ter uma visão mais crítica em relação àqueles que não trabalham. E apresentam, entre os países da amostra, o maior percentual (61%) daqueles que consideram o trabalho um dever para com a sociedade.

Por outro lado, segundo a WVS os brasileiros teriam menos entusiasmo sobre os efeitos do trabalho duro do que americanos e chineses. Apenas 48% consideram que, no longo prazo, trabalho duro propicia uma vida melhor. Nos EUA e China, as respectivas estatísticas estão (ambas) em 65%.

As atitudes em relação aos papéis do setor privado e do governo na economia são ambíguas. Segundo a pesquisa, 40% da população acredita que a o setor privado deve controlar mais empresas, ao passo que 33% consideram que o Estado deveria expandir seu perímetro. Nos EUA, as proporções seriam 60% e 18%, respectivamente. Na China e também na Alemanha, ainda que em menor grau, existe uma preferência pelo controle estatal.

Brasileiros têm atitude favorável em relação ao trabalho, considerado muito importante na vida das pessoas por 61%

A WVS sugere que os brasileiros são relativamente céticos em relação aos benefícios do trabalho duro, como visto acima. Se o trabalho não vai elevar o padrão de vida, acreditam os brasileiros que o governo deve fazê-lo: 62% consideram que o governo deveria resolver os problemas das pessoas, ao passo que somente 23% acreditam no esforço individual – o que aponta para a prevalência de uma cultura de dependência.

Brasileiros, mostra a WVS, acham o trabalho importante, são críticos de quem não trabalha, mas não acreditam que trabalhar duro vai melhorar suas vidas, responsabilidade que, aparentemente, preferem transferir ao governo. Os brasileiros tampouco acreditam uns nos outros. Chama atenção que só 7% da amostra acredita que a maioria das pessoas é confiável, ao passo que 92% acham que é preciso ter muito cuidado nas relações interpessoais. O grau de confiança é de 37% nos Estados Unidos, 64% na China, 34% no Japão e 45% na Alemanha.

Se o governo é responsável pelo bem-estar das pessoas, como sua atuação deve ser financiada? Não, segundo a WVS, por meio de taxação progressiva. Apenas 26% da população brasileira acredita que taxar ricos para subsidiar os pobres é parte essencial dos regimes democráticos, ante 49% nos Estados Unidos, 57% na China, 66% no Japão e 77% na Alemanha.

Em economias de baixo dinamismo, como Brasil e Japão, uma parcela importante da população acha que o objetivo do país deve ser atingir altas taxas de crescimento econômico (43% no Japão e 40% no Brasil). Já países envolvidos em rivalidades geopolíticas, como China e EUA tendem a atribuir peso maior a questões de defesa.

Finalmente, resta observar as atitudes a respeito de competição e tecnologia – ou seja, o quão Schumpeterianas são as sociedades. Comparados aos EUA e à China (69% e 68%), há menos brasileiros (56%) acreditando que a concorrência é algo positivo. A população também parece ter uma visão menos favorável sobre os impactos da ciência e tecnologia do que os demais países da amostra: 60% os julgam positivos, comparando com 72% nos Estados Unidos, 93% na China, 79% no Japão, e 75% na Alemanha. Nada muito auspicioso, portanto, para quem acredita no poder da destruição criativa.

A próxima onda da WVS está planejada para ocorrer entre 2024 e 2026, e será uma boa oportunidade para explorar como evoluíram os valores dos países em um mundo pós-pandemia, com mais conflitos geopolíticos e intenso desenvolvimento da inteligência artificial.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/e-por-falar-em-cultura.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita