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Ex-presidente do BC e economista rigoroso, Pastore morre aos 84 anos

Colegas destacam rigor teórico sempre presente e criteriosa análise de dados nos estudos do economista

Valor

O economista Affonso Celso Pastore morreu na madrugada da quarta-feira, aos 84 anos. Ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-secretário da Fazenda de São Paulo, Pastore passou por uma cirurgia no sábado no Hospital Albert Einstein, após sofrer um acidente vascular na perna, ficando desde então na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Admirado por várias gerações de economistas, Pastore se destacou pelo rigor e pelo apreço à evidência empírica em seus estudos e análises. A sua vida e obra foram “um exemplo emblemático da linha de pesquisa baseada no rigor teórico e, principalmente, na busca incessante de uma análise criteriosa dos dados”, como escrevem Ilan Goldfajn, hoje presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o jornalista Fernando Dantas no prefácio do livro “A Economia com Rigor – Homenagem a Affonso Celso Pastore”. Para Ilan, também ex-presidente do BC, Pastore foi “o maior expoente e promotor do foco na ciência para a análise de políticas econômicas” no Brasil, no uso da evidência para se avaliar, aprender e implementar políticas e reformas que venham a beneficiar as sociedades.

Como economista, Pastore acumulou grande produção intelectual. Foi professor na Faculdade de Economia e Administração da USP, onde se graduou em 1961. Concluiu o doutorado também na FEA-USP, em 1969. No fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, deu aulas na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV EPGE). “Não consigo trabalhar sem conteúdo empírico. Para fazer análise econômica, é preciso testar hipóteses. O critério de demarcação da ciência é: a proposição tem que ser testável”, disse em entrevista para o livro “Conversas com Economistas”.

Um resumo em sequência histórica do trabalho de Pastore na busca de evidências empíricas na área preferencial que adotou está no livro “Inflação e Crises – O Papel da Moeda” (Elsevier). São oito capítulos, que vêm da tentativa de estabilização na época do regime militar, em 1964, e chegam ao fracasso da chamada “nova matriz” de política macroeconômica, nos quais ele acompanha o desenrolar do processo inflacionário no contexto de políticas econômicas adotadas (em quatro capítulos, sua mulher, Maria Cristina Pinotti, é coautora). Quando o livro foi publicado, em 2015, haviam se passado 46 anos desde a conclusão de seu doutorado e a defesa da tese “A Resposta da Produção Agrícola aos Preços no Brasil”.

Num dos artigos do livro “A Economia com Rigor”, Samuel Pessôa, do FGV Ibre e chefe de pesquisa do Julius Baer Brasil, e Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, observam que Pastore começou estudando temas da microeconomia, como o impacto dos preços sobre a produção agrícola. “Nas décadas seguintes, dedicou-se a temas da macroeconomia como a política cambial e a inflação.”

A primeira posição de maior destaque de Pastore no setor público ocorreu quando se tornou secretário da Fazenda paulista, entre 1979 e 1983, nos governos de Paulo Maluf e José Maria Marin. Mas o maior desafio veio no BC, instituição que comandou entre setembro de 1983 e março de 1985. “Eu estava no meio de uma aula quando veio um telefonema. Era do Delfim [Netto]. Ele me disse que o [Ernane] Galvêas [então ministro da Fazenda] ia me ligar e me convidar para ser o presidente do Banco Central. ‘Você tem meia hora para pensar a resposta, se vai aceitar ou não.’ Meia hora depois ligou o Galvêas.”, disse Pastore, em entrevista publicada no livro “A Economia com Rigor”.

“Acabei tendo um fim de semana para pensar, falar com a família, ver o que eu fazia e o que não fazia, conversar com Delfim e Galvêas, pensar bem qual era o tamanho da encrenca. Na segunda-feira eu disse sim e fui.” Pastore conta que assumiu o BC com reservas em caixa negativas e centralização cambial, dando uma medida da dificuldade da situação.

No ano anterior, o Brasil havia suspendido o pagamento aos credores internacionais e instituíra controles cambiais, na esteira da moratória do México, declarada em 1982. À sobrecarga dos aumentos dos preços do petróleo somavam-se os efeitos da elevação dos juros internacionais provocada pela alta das taxas efetivada nos Estados Unidos para conter a inflação. O Brasil já vivia, desde antes, os prenúncios de uma crise de balanço de pagamentos, com déficits crescentes em contas correntes (média próxima de 5% do PIB entre 1979 e 1983), amplamente financiados com dívida externa.

Não consigo trabalhar sem conteúdo empírico. Para fazer análise econômica, é preciso testar hipóteses”

Coube a Pastore, como presidente do Banco Central, a chefia da negociação – uma, entre várias que se fariam ao longo de vários anos – iniciada com os bancos credores em dezembro de 1983 e concluída com a assinatura de um acordo em janeiro de 1984. Ele também conduziu com sucesso uma tentativa de acordo multianual, em 1984/85, para troca de dívida em termos parecidos com o que depois caracterizaria o chamado Plano Brady para a renegociação da dívida de vários países. A aprovação do acordo pelo governo de Tancredo Neves estava assegurada, mas sua morte truncou o processo. “O novo governo [de José Sarney] seguiu uma rota diferente, tornando inútil todo o esforço anterior”, disse Pastore em seu livro.

Bem-sucedido na administração da crise do balanço de pagamentos, Pastore viu-se frustrado no campo da inflação. Entrou e saiu do governo com índices girando em torno de 200% ao ano. Em seu livro, ele explica a inoperância da política aplicada, em grande parte devida à amplitude da indexação da economia.

A sua última obra foi publicada em 2021 – “Erros do passado, soluções para o futuro: A herança das políticas econômicas brasileiras do século XX”, analisando os erros de política econômica das cinco décadas anteriores.

Nos últimos anos, Pastore dedicava-se à sua empresa de consultoria, a A.C. Pastore & Associados, que tinha Maria Cristina Pinotti como uma das sócias. Em 2021, foi assessor econômico do ex-juiz Sergio Moro, que se lançou pré-candidato à Presidência pelo Podemos. Depois, Moro mudou para o União Brasil e não se candidatou a presidente, mas ao Senado, elegendo-se no Paraná. Na eleição de 2022, Pastore assinou um abaixo-assinado em apoio à candidatura de Simon Tebet (MDB), que ficou em terceiro lugar.

Além disso, Pastore participou da criação do Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), do qual foi presidente. Além da mulher, Maria Cristina Pinotti, deixa um filho e duas filhas do primeiro casamento. Era são-paulino fanático.

Sempre presente no debate econômico do país, Pastore mostrava preocupação com os efeitos da expansão fiscal sobre a inflação e o nível dos juros. Em seus relatórios mais recentes, combatia as visões de alguns economistas de que o bom desempenho recente da economia brasileira se deveria a um suposto aumento da capacidade de oferta, ligado a reformas que teriam elevado o crescimento potencial (aquele que não acelera a inflação).

Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/02/22/ex-presidente-do-bc-e-economista-rigoroso-pastore-morre-aos-84-anos.ghtml

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