Entrevistas

“O PIB pode crescer entre 2,20% e 2,5%. O pipeline de investimentos em infraestrutura nunca foi tão grande na história.”

Capital Aberto

Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de política monetária do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investiments

O ex-diretor de política monetária do Banco Central e presidente do Conselho de Administração da Jive Investiments, Luiz Fernando Figueiredo, é mais otimista para este ano que a média do mercado. Na sua previsão, a Selic pode cair para até 8,5% e o PIB crescer 2,5%. Ele justifica: “a gente aposta muito no impacto dos investimentos e das reformas dos últimos sete anos”. Ainda assim – e apesar de positivamente surpreendido com a política fiscal do governo –, o rumo do déficit público para 2025 e 2026 o preocupa. “É uma dúvida e um risco que não é pequeno.”

Em conversa com a Capital Aberto, ele falou sobre finanças, macroeconomia e a agenda tecnológica do Banco Central. Mas não só. Diferentemente da imensa maioria dos colegas da Faria Lima, Figueiredo passa boa parte do tempo longe do dia a dia do mercado. É quando se dedica ao Instituto Fefige – ONG criada por ele para promover a educação de crianças e alfabetização na idade certa. Afinal, não só de contas públicas depende o crescimento do PIB. Educação, para ele, também é fundamental para a economia deslanchar.

Qual a sua análise do primeiro ano do governo Lula?

Do início do ano passado para cá, a gente viu uma narrativa de um jeito e uma prática de outro jeito. No começo, Lula foi muito vocal em dois aspectos. O primeiro era de que responsabilidade fiscal não é compatível com responsabilidade social. Depois, houve também muitas falas duras e contundentes com relação ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Mas, quando a gente se debruça no que aconteceu de fato, o ministro Haddad carregou uma agenda de trazer responsabilidade fiscal no jogo, começando com o pacote de ajuste via receitas em janeiro. Em seguida, tivemos o arcabouço fiscal que, quando você pergunta para os economistas, não é o ideal. Ainda assim, o ano passado foi muito mais positivo do que imaginávamos no começo.

Por que o arcabouço fiscal não é o ideal?

O ideal seria a gente reduzir as despesas públicas para que o orçamento passasse a ser superavitário até um nível que trouxesse sustentabilidade para a dívida pública. Se você não tiver um ambiente de estabilidade, você não consegue ter um ambiente macro favorável de crescimento, inflação baixa e assim por diante. Mas, embora o que vem sendo feito pelo governo não tenha sido do lado das despesas, houve algum sucesso em aumentar as receitas de maneira que o déficit no final ficou contido. No ano passado, o déficit ficou pouco superior a 2% do PIB, mas 1% foi em função da questão dos precatórios. [O Supremo Tribunal Federal decidiu que o adiamento desses pagamentos, realizado pelo governo Bolsonaro, é inconstitucional e autorizou a quitação das dívidas]. Então, do ponto de vista da política fiscal em si, o governo teve algum sucesso na medida em que conseguiu conter o déficit e não deixar que fosse maior que 1%.

Qual é a expectativa para a economia do país este ano?

Nós começamos o ano com muito menos incerteza que no início de 2023 e uma agenda de redução de juros relevante. As receitas do governo têm sido mais favoráveis, depois de várias surpresas negativas que prejudicaram a arrecadação no ano passado, como a recuperação de créditos no CARF e a exclusão do ICMS da base de créditos do PIS/Cofins. Isso ajuda o governo a ter um déficit menor e, se possível, até um equilíbrio fiscal.

Grande parte do mercado não acredita no cumprimento da meta de déficit zero. Qual é sua expectativa?

Para que a gente tenha um déficit zero – ou seja, equilíbrio na conta primária – precisamos ter as receitas ao longo do ano inteiro crescendo 11% em termos reais. Acho possível, mas pouco provável. Nosso número é melhor que o mercado que espera um déficit de 0,8% este ano. Nós esperamos um déficit de 0,5%.

E como você prevê a situação fiscal para os próximos anos?

O déficit vai ficar contido este ano, só que como ele está sendo contido a partir de receitas – várias delas não recorrentes. Então, existe uma dúvida se em 2025, 2026, para frente, nós teremos essa situação mais contida ou não. A questão é ver como é que o governo vai tratar no segundo semestre a perspectiva para 2025. Isso é uma dúvida grande e um risco que não é pequeno.

Quais são as receitas não recorrentes que colaboraram com as contas públicas neste ano?

A cifra é da ordem de R$ 120 bilhões. É o caso, por exemplo, de medidas tributárias em relação a fundos, revisão dos contratos de concessão ferroviária, e depósitos judiciais na Caixa Econômica Federal e da limitação das compensações tributárias. Esses R$ 120 bilhões não estarão mais presentes no ano que vem. O governo vai ter que vir com mais coisas do lado da receita, mas eu acho que a gente não escapa de ter um olhar para o lado da despesa.

De quanto seria o ajuste necessário?

Digamos que o déficit deste ano seja 0,5 % do PIB. É uma dívida muito alta. Quando você olha os países emergentes, é a mais alta de todos. Para estabilizá-la, precisaria haver um superávit na ordem de 1,5 % do PIB, ou seja, está faltando 2% de ajuste. É muita coisa: quase R$ 200 bilhões por ano. Isso acaba gerando muita incerteza sobre o futuro. Quando você não tem visibilidade de como será o futuro, principalmente em relação ao risco fiscal, você compromete todo o ambiente macro, com mais inflação, mais taxa de juros e menor crescimento.

E como o senhor vê a situação fiscal nos países desenvolvidos?

Tanto nos Estados Unidos como na Europa a situação fiscal está muito ruim. O déficit americano tem sido superior ao déficit brasileiro e não parece, nem na plataforma do Biden, nem na plataforma do Trump, que isso vai mudar. No curto prazo, o impacto é pequeno, mas ao longo do tempo é muito grande. Países desenvolvidos já têm uma fama de bom pagador, então, assim, existe uma predisposição dos investidores a ter um pouco mais de paciência por conta disso.

Falando em juros, como o senhor vê a trajetória de queda da Selic?

Na nossa visão, a taxa de juros pode chegar abaixo de 9% – algo entre 8,5 % e 9% até o final do ano. Se a questão fiscal continuar realmente contida e a gente tiver alguma luz de que para 2025 esse déficit será endereçado, eu acho que com uma certa tranquilidade o Banco Central vai poder reduzir até a uns 8,5%. Para os próximos anos, para ter um juros mais para perto de 7,5%, a gente precisaria ter um horizonte fiscal muito melhor.

Com a Selic entre 8,5% e 9%, a renda fixa continuaria atrativa? As taxas menores deixariam a bolsa mais atraente?

Ainda são taxas favoráveis a ativos de longo prazo, mesmo de renda fixa. Quanto ao mercado acionário, isso depende muito do crescimento do lucro das empresas, que tem sido pequeno. Para dar uma ideia, desde o início da pandemia o lucro das empresas do Ibovespa praticamente não subiu. Os juros mais baixos ajudariam todo o ambiente: a área de infraestrutura, área imobiliária, vários setores que dependem de financiamento ou de capital intensivo.

Qual é sua perspectiva em relação ao PIB?

Somos mais otimistas que a média do mercado. Acho que o PIB pode crescer entre 2,20% e 2,5%. A gente aposta muito no impacto dos investimentos e das reformas dos últimos sete anos. Eu não conheço um país no mundo que nos últimos seis, sete anos, tenha feito tantas reformas quanto o Brasil. Aconteceu a reforma trabalhista, aconteceu a da Previdência, aconteceu a independência do Banco Central. No lado mais micro, há a reforma do saneamento, que traz uma barbaridade de investimentos, ferrovias, óleo e gás, a lei de liberdade econômica, a lei das startups, uma melhora da lei de falências. Tivemos mudanças na legislação lei de cabotagem, que melhora muito o investimento nessa área. O pipeline de investimentos em infraestrutura nunca foi tão grande na história.

A substituição de Campos Neto no comando do Banco Central é um risco no horizonte?

Temos dois aspectos a considerar. Um assunto é relacionado à política monetária, e o outro a um enorme avanço de inovação, tecnologia e concorrência que o Banco Central tem na sua agenda. Com relação à política monetária, eu tenho menos receio hoje, até porque os diretores que entraram são todos com boa capacidade, realmente bons técnicos.

Já a agenda tecnológica tem muito a ver com a própria característica do Roberto. Por isso, acho que, sem ele, a agenda vai andar menos para frente do que poderia.

Qual é a importância dessa agenda digital do Banco Central, que inclui, entre outras coisas, o Drex?

Com ela, vai crescer muito a concorrência de cada um dos negócios relacionados ao mercado financeiro, tanto o mercado de investimentos, quanto o mercado de crédito, quanto o mercado de pagamentos. Então, criando novos instrumentos, melhorando muito a vida do cidadão, principalmente daquele que tem pouco acesso [ao sistema financeiro]. Vai existir eventualmente um aplicativo em que você tem um banco da sua conta corrente para pagamentos, outro banco para sua vida de crédito, outro banco para investimentos, outro para seguros, tudo dentro do mesmo aplicativo.

Na mesma onda, como o senhor vê a agenda da CVM para portabilidade dos fundos?

Eu vejo como um enorme avanço. No final, a medida reduz o poder de quem tem o produto e amplia o poder de quem acessa esse produto.

Depois de sua passagem pelo Banco Central, o senhor já pensou voltar ao setor público?

Eu já pensei bastante nisso. Mas, hoje em dia, eu penso muito menos porque eu fundei há seis anos o Instituto Fefig, focado em educação. Desde que nasceu o instituto, nós já alcançamos 144 mil crianças. Temos vários projetos diferentes – um de alfabetização, outro que ajuda que as crianças de zero a seis anos sejam mais estimuladas para estarem mais prontas para a pré-escola. Tem também um outro projeto superbonito  em que fazemos exame oftalmológico e damos óculos para as crianças. Nós já demos mais de 3 mil óculos.

Por que, em sua atuação no terceiro setor, o senhor optou pela educação?

Em um país tão pobre quanto o nosso, tudo na área social tem mérito. Mas acho que a educação tem um tostãozinho a mais de mérito por nos ajudar a mudar o país. Estudos mostram que um aumento nas notas em testes padronizados internacionais está relacionado a um aumento na taxa de crescimento do PIB per capita entre 1 e 2,2 pontos percentuais ao ano. Já a perda de aprendizagem equivalente a dois terços de um ano letivo está associada a uma redução de 4,2 trilhões de dólares no valor presente do PIB brasileiro do restante do século.

Link da publicação: https://capitalaberto.com.br/alem-do-capital/o-pib-pode-crescer-entre-220-e-25-o-pipeline-de-investimentos-em-infraestrutura-nunca-foi-tao-grande-na-historia/

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