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Em um novo governo, problema começa quando ideias ruins são levadas à frente

O Brasil precisa de estabilidade, de respeito ao que foi aprovado pelo Congresso

Estadão

Desencontros são comuns no início de um governo. Muitos ministros não se conhecem, dão declarações ao assumir seus postos e tudo acontece antes de serem realizadas reuniões para combinar linhas de ação. Neste quadro podem surgir opiniões divergentes que provocam estranhamento em quem está de fora. Nenhum problema nisso. O problema começa quando várias das ideias são ruins e torna-se grave se algumas dessas ideias forem levadas à frente.

Vou me ater a três. Na semana passada, o mercado financeiro reagiu mal a falas de integrantes do governo sobre revisões das reformas da Previdência e Trabalhista e uma dubiedade em um decreto, que deixa em aberto a possibilidade de o governo rever o marco legal do saneamento para proibir privatizações. O mercado tem razão em temer as três coisas.

A reforma da Previdência foi intensamente negociada por mim no governo Temer e aprovada em 2019. Desde então, o déficit da Previdência em relação ao PIB caiu: foi de 3,79% em 2020 e deve ser de 2,49% em 2023, segundo previsto no Orçamento. Sem a reforma, o sistema entraria em colapso.

A reforma trabalhista e o marco legal do saneamento são dois avanços capazes de atrair investimentos, essenciais para a volta do crescimento e da geração de empregos. No caso do mercado de trabalho seria saudável aperfeiçoar a reforma para incluir categorias que cresceram com a economia digital, como trabalhadores por aplicativo. Voltar atrás seria um atraso.

O marco legal do saneamento tem apenas dois anos. Rever o que foi feito por questões ideológicas, para proibir privatizações e manter o setor nas mãos de estatais seria um enorme retrocesso. Em 2023, uma porcentagem significativa de brasileiros ainda não tem acesso a água encanada e esgoto. O marco estabelece a universalização desses serviços em 2033. Proibir as empresas privadas significa abrir mão disso, dado que as estatais não têm recursos para investir o necessário.

Pior que isso, rever o marco seria insistir numa imagem ruim do Brasil: a de um país em que os compromissos são continuamente alterados, ao sabor do governo da ocasião, de acordo com preferências ideológicas ou conveniências. O Brasil precisa de estabilidade, de respeito ao que foi aprovado pelo Congresso. Investidores demoram anos para decidir por seus investimentos, para mobilizar capital e para obter resultados. Ao sinalizar mudanças em uma lei tão recente, o governo transmite um sinal de instabilidade. Espero que tudo não passe de desencontros de início de gestão e de políticos vivendo ainda um clima de campanha.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/henrique-meirelles/novo-governo-ideias-ruins-levadas-a-frente-problema-saneamento/

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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Henrique Meirelles