Desequilíbrio macroeconômico, falta de investimento e baixa produtividade seguram avanço do Brasil e vizinhos, indica G30
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De 1950 a 1980, o PIB per capita do Brasil cresceu em relação ao dos Estados Unidos. Desde a década de 1980, contudo, o país retrocedeu e hoje o rendimento per capita representa apenas 20% dos níveis dos EUA. Parte disso deve-se à “década perdida” de 1980, mas também ao crescimento negativo da renda per capita das décadas de 1980 e 2010. O cenário de estagnação é traçado pelo relatório Why does Latin America underperform? (Por que a América Latina tem um desempenho baixo?), do think tank G30, que mostra que o Brasil não é exceção.
Seus vizinhos latino-americanos também sofrem de um longo período de fraco crescimento. As causas são diversas e interligadas. Vão desde um cenário macroeconômico desequilibrado, passando por falta de investimento em infraestrutura e saúde, fraca produtividade, baixa poupança interna e um “déficit” de governança – elemento comum a todos os países da região -, agravado por crescente incerteza política e deterioração do ambiente de investimento.
“A América Latina pode estar presa em um equilíbrio pouco saudável, onde a falta de confiança prejudica o desempenho das instituições governamentais e o mau desempenho, por sua vez, explica a baixa confiança”, afirma o relatório do grupo.
O primeiro ingrediente para quebrar isso é um equilíbrio da macroeconomia, afirma o economista Arminio Fraga, presidente do G30 ao lado Guillermo Ortiz, ex-diretor do Banco Central do México.
“A questão macro é condição necessária, mas não suficiente. Estamos falando de estabilidade macroeconômica para que os horizontes se alonguem. Isso é necessário, mas a experiência da América Latina sugere que não é suficiente”, diz. “Depois vem uma enorme decepção com a produtividade. Tudo o que tem a ver com ganhos de produtividade, que é a mola mestra do longo prazo, ficou faltando. A região tampouco é conhecida por sua taxa de poupança. E, além disso, tem muitos problemas de governança, o que é o principal.”
O estudo atribui o “desempenho desanimador” da produtividade a duas fontes de má alocação de recursos. A primeira é a má alocação dentro e entre empresas de um setor específico. A segunda é a má alocação entre setores.
“Países com cestas de exportação mais diversificados podem sustentar um crescimento mais rápido através da realocação de recursos para setores de maior retorno”, diz o texto. “Evidências mostram que os países latino-americanos têm uma estrutura de exportação menos diversificada do que os seus pares, o que pode reduzir suas taxas de crescimento.”
Arminio, que foi presidente do Banco Central no governo de Fernando Henrique Cardoso e é sócio fundador da Gávea Investimentos, cita ainda progressos insuficientes na redução da desigualdade e em educação. Ele observa que os países da região têm dificuldade em aprender com experiências passadas exitosas e hoje estão atrasados.
“Quando se compara a região com o que seria um grupo de países que há 60 anos tinham um padrão parecido com o nosso, fica muito claro que a região vem ficando para trás”, afirma Arminio sobre o grupo formado por países como Turquia e África do Sul.
O economista argumenta que a falta de governança se deve a limites dos próprios sistemas políticos desses países. “São questões ligadas ao desenho do sistema político, um sistema onde se tem presidencialismo, com um número muito grande de partidos, com regras eleitorais pouco apropriadas para se fazer decisões de longo prazo, bem ancoradas em uma visão que seja favorável para investimento”, afirma. “Com 25 partidos fica difícil se organizar para tomar decisões que vão dar um resultado a médio prazo e longo prazo, e isso faz muita falta não só no Brasil, mas em toda a região.”
O relatório destaca que os problemas se agravaram com os choques globais recentes, como a covid-19, mas afirma que o mal-estar da América Latina não é novo.
“A tendência de crescimento tem sido fraca há muito tempo e parece ter enfraquecido ainda mais com a pandemia”, diz o texto ao ressaltar que acumulação de capital e certas melhorias de produtividade nos últimos 30 anos mal contribuíram para o crescimento.
O documento lembra que, em contraposição à América Latina, países de tamanho semelhantes cresceram mais que o dobro do Brasil desde os anos 1970. “Os anos de escolaridade mostram ganhos importantes em ambos os grupos, mas os pares apresentam níveis mais elevados de investimento e um crescimento mais rápido da produtividade”, diz o texto.
O grupo de trabalho avalia que, embora os países latino-americanos compartilhem desafios, tratam-se de casos muito diferentes, refletidos em quatro síndromes distintas de baixo crescimento.
A primeira diz respeito a países com instabilidade macro endêmica, como Argentina, Equador e Venezuela. Esses países sofrem com episódios de hiperinflação, crescimento volátil e problemas de sustentabilidade da dívida.
A segunda síndrome inclui Chile, Colômbia, Peru e Uruguai. “Apesar de terem alcançado a estabilidade macroeconômica, registraram ao longo do tempo um declínio no crescimento”, diz o texto. “As falhas do mercado e do governo, bem como a escassez de projetos de investimento privado de elevado retorno, contribuíram plausivelmente para o acentuado abrandamento do crescimento experimentado por esses países.”
A terceira síndrome se refere ao México, que viveu um “paradoxo de crescimento”: o país teve mais de duas décadas de estabilidade macroeconômica, desenvolveu um setor industrial sofisticado, mas viu seu crescimento estagnar.
A quarta síndrome diz respeito ao Brasil, que teve um forte crescimento antes da década de 1980, mas, desde então, tem apresentado um “desempenho medíocre”.
“Os déficits orçamentais endêmicos, as elevadas taxas de juro reais e as baixas poupanças nacionais constituem grandes restrições ao crescimento sustentado”, observa o think tank.
Desigualdade, populismo e polarização, ressalta, dificultam os ajustes fiscais necessários.
“O Brasil vinha crescendo a um certo ritmo, mas houve imensa desaceleração mais recentemente. O PIB per capita do Brasil como proporção do per capita americano de 1980 a 2019 caiu 30%, quando deveria ter subido, no mínimo, 30%. Deveria ter sido, mas não subiu. E vamos repetir isso? Esse, para mim, é o drama da nossa história”, diz Arminio.
No curto prazo, ele prevê, o Brasil dificilmente terá uma retomada sustentável, em parte porque há “certa obsessão com ideias comprovadamente erradas”, afirma Arminio. “Fora a reforma tributária e parte do arcabouço, a independência do Banco Central foi atacada, assim como o marco do saneamento e a maneira como estatais são administradas. Falou-se em desfazer pedaços da reforma da Previdência, em revisar leis trabalhistas”, conclui.
Link da publicação: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/09/08/estudo-aponta-causas-para-fraco-desempenho-da-al.ghtml
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