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Por que será que ser inconsistente dá errado?

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Enquanto o Banco Central coloca o pé no freio, o governo continua acelerando. Essa situação descreve bem o desalinhamento entre a política monetária restritiva e a política fiscal expansionista conduzida pelo governo federal.

Em um contexto em que se buscava o compromisso com o déficit fiscal zero, o comportamento do governo desafia a lógica fiscal, procura o equilíbrio sem parar de acelerar os gastos.

No último Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, o governo trouxe uma projeção de déficit de, pelo menos, R$ 68 bilhões – e apresentou isso como uma vitória. O que seria, na melhor das hipóteses, uma constatação preocupante, foi rotulado como positivo.

Essa inversão da lógica fiscal subestima a seriedade da situação. Ao mesmo tempo que questiona as críticas do mercado e de analistas sobre o controle da relação dívida/PIB e a estabilidade fiscal, o overno parece dizer que “está tudo bem” enquanto a casa literalmente pega fogo.

A retirada de R$ 40 bilhões das despesas do cálculo da meta fiscal, assim como a tentativa de contornar o limite de crescimento das despesas com o vale-gás, levanta sérias dúvidas sobre a credibilidade das regras estabelecidas. Para que elas valem?

Como confiar no Arcabouço Fiscal se suas normas podem ser flexibilizadas de acordo com as conveniências políticas?

Isso não apenas compromete o compromisso fiscal do governo, mas também mina a confiança do mercado na capacidade do País de manter suas finanças sob controle no médio e longo prazo.

Enquanto o governo segue promovendo impulso fiscal, o Banco Central mantém uma postura firme, buscando evitar o superaquecimento da economia e busca controlar a inflação. A política monetária, por meio da elevação dos juros, em território restritivo, tenta conter o consumo e o investimento em um momento em que a economia já opera acima de seu potencial. No entanto, a falta de comprometimento fiscal do governo pressiona o Banco Central a agir de forma mais enérgica, afinal em 2023 o impulso fiscal foi da ordem de 2% do PIB e no primeiro semestre deste ano da ordem de 1,5% do PIB.

Apesar das críticas generalizadas, o governo é eloquente em sua defesa de gastos para sustentar o crescimento e garantir a manutenção de programas sociais e investimentos.

No entanto, tratar a manipulação de contas e a revisão de despesas para acomodar um déficit elevado como uma vitória revela uma visão de curto prazo no mínimo insustentável, sem considerar que os gentes estão claramente vendo o que está acontecendo e para frente quais serão os impactos futuros.

Esse comportamento é justificado pela tentativa de ganho político dos discursos populistas de defesa ao crescimento econômico, redistribuição de renda e baixo desemprego. Ainda assim, os números reais mostram um aumento nas despesas obrigatórias e uma incapacidade de ajustar os gastos estruturais.

E o custo econômico é muito sensível. Além da depreciação cambial, a elevação da Selic tem um custo alto. Para cada 1% de elevação da Selic, o custo para a Dívida Líquida do Setor Público é de pouco mais de R$ 50 bilhões, em 12 meses. Se o ciclo de alta for mantido até o 3º ou 4º trimestre do ano que vem, a dívida pode ser elevada em quase R$ 75 bilhões, assumindo a alta de 150 pontos que pode ser necessária para controlar as expectativas de inflação.

Se essa flexibilidade continuar, o arcabouço se tornará um símbolo vazio – uma regra ajustável conforme as pressões políticas do momento. E é exatamente isso que o mercado teme: que o governo continue a alterar suas metas conforme as demandas políticas mudam.

O Brasil está em uma encruzilhada. Ou o governo toma decisões sérias para alinhar sua política fiscal com a necessidade de sustentabilidade econômica, ou continuará em um caminho de descrédito e instabilidade. A credibilidade do Arcabouço Fiscal depende da real vontade do governo de honrar suas regras, sem manipulações convenientes.

Por outro lado, o Banco Central deve manter sua postura cautelosa, equilibrando o controle da inflação sem sufocar o crescimento. Entretanto, se as políticas fiscais continuarem a ser ajustadas conforme as necessidades imediatas do governo, o Brasil corre o risco de derrapar, comprometendo não apenas o crescimento de longo prazo, mas também a confiança interna e externa na sua capacidade de gerir suas finanças.

Se as políticas fiscal e monetária não convergirem, o País ficará preso em um ciclo vicioso de descontrole fiscal e altas taxas de juros, com consequências duras para o crescimento sustentável. O cinismo de tratar o déficit como uma vitória não será suficiente para mascarar os desafios econômicos à frente.

*Este artigo teve como coautor o economista Italo Faviano, da consultoria Buysidebrazil.

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Sobre o autor

Luiz Fernando Figueiredo