Estadão
A inflação de fevereiro atingiu o valor mais alto para o mês em 22 anos, 1,31%, superando 5% nos últimos 12 meses. Parte da piora é apenas o “rebote” do bônus de Itaipu, usado para reduzir temporariamente as tarifas de energia, mas o problema vai muito além de flutuações induzidas por interferências pontuais do governo.
A melhor forma de analisá-lo requer o uso de medidas de inflação construídas para exatamente “limpar” o índice daquilo que parece ser acidental e temporário, em economês apelidadas de “núcleos” de inflação.
“Núcleos” tentam capturar o que é persistente em termos de variação de preços, sendo menos sujeitos a efeitos como os registrados (para baixo) em janeiro e (para cima) em fevereiro. Como o Brasil é um país obcecado por inflação, temos nada menos do que dez núcleos distintos; para simplificar a coisa, prefiro olhar para a média deles ao longo do tempo.
Esta revela que, “limpando” o índice de fatores pontuais, o componente persistente da inflação nos últimos 12 meses ultrapassa 4,5%. Caso optemos por uma métrica mais “nervosa”, no caso os últimos 3 meses, a inflação gira hoje em torno de 5,5% ao ano. Para fins de comparação, no segundo trimestre do ano passado rodava apenas um pouco acima da meta.
Não resta dúvida, portanto, que vivemos considerável aceleração inflacionária de lá para cá. Além disto, dado que as variações mais exageradas de preços de alimentos são tipicamente excluídas dos “núcleos”, fica também claro que o problema não está restrito a esses preços; pelo contrário, trata-se de questão mais profunda, relacionada essencialmente a dois desenvolvimentos correlatos.
O primeiro é o superaquecimento da economia. Embora o governo comemore o resultado positivo do PIB, o excesso de demanda, associado à política de gastos, pressiona salários e preços. Salários subiram 9% em 2024, mas a produtividade, apenas 0,5%; a diferença é aumento do custo do trabalho, devidamente repassado a preços.
O segundo é a elevação persistente das expectativas de inflação, que colaboram para intensificar as pressões oriundas da demanda aquecida.
Tal diagnóstico aponta para a necessidade de desacelerar a economia, em linha com o sinalizado pelo BC. Na contramão disto, todavia, mirando a eleição, o governo acena com novas medidas de estímulo.
Por estas e por outras, a inflação deverá “estourar” o teto da meta até meados do ano que vem. Galípolo pode preparar a caneta: terá de assinar algumas cartas explicando como pretende corrigir o problema.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/nucleo-problema/
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