Em homenagem ao democrata Antônio Angarita
JOTA
Em artigo anterior desta coluna, evoquei o ambiente dos anos 1990, em que muito se evoluiu em nosso campo, com iniciativas que ditam até hoje os rumos do direito administrativo. Ao contar a luta para enviar ao Legislativo o que viria a ser a primeira lei moderna de processo administrativo no Brasil (Lei paulista 10.177, de 1998), anterior à própria lei federal (Lei 9.784, de 1999), fiz justiça não só ao governador da época, como a seu secretário de governo.
Seu nome era Antonio Angarita. Volto aqui a ele.
Angarita havia sido um dos professores fundadores, em 1954, e depois diretor, da Escola de Administração da FGV SP — que, com seu curso de administração pública, hoje influi na modernização do estado. Depois, veio a ditadura militar e acadêmicos de diferentes áreas foram expulsos de suas universidades. Angarita teve papel ativo ao mobilizar o apoio de setores políticos e empresariais para criar, em 1969, o Centro de Análise e Planejamento (Cebrap), até hoje espaço fundamental de produção de conhecimento crítico e independente.
Era um democrata lúcido, sincero e corajoso. Em artigo de 1969 confrontou a ditadura com o argumento de que “a autoridade será tanto mais permanente quanto mais for consentida, mediante um processo de comunicação mais intenso e criador com o povo” e “quanto melhor puder cumprir as tarefas e os mandatos previamente estipulados, no modelo de causação circular”.
Em entrevista de julho de 1995, logo no início do governo Mário Covas em São Paulo, Angarita indicou a “reforma institucional” como a primeira das prioridades a perseguir na secretaria, onde ficaria até 2002. Acreditou e trabalhou pelas instituições. A lei de processo administrativo, aprovada com seu apoio, é uma das provas. O Poupatempo é outra.
A partir de 2001, ele se engajaria em outra criação: da Escola de Direito da FGV SP. Lembro bem da primeira vez em que nós, os futuros professores fundadores, nos sentamos para sonhar juntos. Falamos coisas truncadas sobre o Brasil e as faculdades de Direito, Angarita ali, nos medindo à distância com seus olhos de mongol, costurando de vez em quando umas poucas frases longas, tão suas, de colorido doce. Ao final, levantamos da mesa dispostos a coisas incríveis.
Dali em diante, por anos seguidos, estivemos juntos nas muitas mesas, mais soltas ou muito circunspectas, em que nossa instituição foi sendo pensada, testada, expandida e reformada. Angarita sempre o centro invisível das reuniões. Nos seminários anuais de planejamento coube sempre a ele as palavras finais, poucas – ditas com sorriso maroto, surpresa e graça. E depois nos surpreendíamos ao perceber que, mais uma vez, havíamos sido provocados à ação por nosso suave sedutor à mesa.
Nesses anos, nenhum de nós pôde ou quis fugir de seu charme pessoal. Como resistir a alguém que não ocupa espaço, não faz barulho, não manda nada, e mesmo assim inspira, une e faz agir?
Agora Angarita e seu espírito público nos deixaram. Mas ficaram suas instituições, que têm tudo para honrar o seu legado.
Link da publicação: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/instituicoes-nao-nascem-por-acaso-pessoas-importam-13092022
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