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O Brasil do futuro

O Brasil enfrenta problemas crônicos para crescer de forma sustentada há décadas. Além disso, com a pandemia e o desleixo do governo atual em várias áreas, será necessário reconstruir o Brasil a partir de 2023. Como fazê-lo? Quais foram os erros e acertos dos governos passados? Como fazer com que o Brasil volte a crescer de forma sustentada?
A última vez que o Brasil cresceu continuamente foi nos anos 60 e 70. Isso ocorreu porque houve grande migração do campo para as cidades, que tirou a maior parte da população de atividades de subsistência pouco produtivas e colocou-as nas cidades para trabalharem na indústria e nos serviços, como vem ocorrendo na China nos últimos tempos. Entretanto, ao contrário da China, a produtividade tem crescido muito pouco nestes setores nas últimas décadas. O único setor que tem tido crescimento da produtividade é a agricultura.
A estratégia de proteger a indústria através de políticas industriais, proteção comercial e subsídios para inovação não deu certo. Enquanto em outros países a política industrial tinha metas para exportação e era conjugada com avanço educacional, por aqui esquecemos da educação e preferimos fechar o país para o comércio. Assim, a maior parte das nossas empresas usa técnicas gerenciais ultrapassadas e não inovam. Colocamos milhões de reais em programas de incentivos à inovação com poucos resultados práticos, como mostram diversas avaliações de impacto.
Além disso, a proteção comercial faz com que os insumos internacionais fiquem mais caros. Vários estudos mostram que o acesso a insumos mais sofisticados e baratos é um dos principais determinantes do crescimento da produtividade. O atraso histórico da indústria brasileira tornou-a muito pouco competitiva internacionalmente. Como consequência, a liberalização comercial dos anos 90, se por um lado fez com que a produtividade das firmas brasileiras aumentasse via importação de insumos, por outro levou à demissão de milhares de trabalhadores, já que elas não tinham como competir com os demais países. Esses trabalhadores tiveram que ir para a informalidade ou para serviços pouco qualificados.
Ao mesmo tempo que os incentivos à indústria predominavam, a área social não tinha nenhuma atenção. Até os anos 70, a mortalidade infantil era altíssima, com 120 crianças morrendo no primeiro ano de vida para cada 1000 que nasciam. Não existia atendimento hospitalar para os mais pobres e apenas 5% da população adulta tinha ensino médio.
Predominava no país a ideia de que investir em capital humano era desnecessário, pois o crescimento econômico liderado pela indústria aumentaria a renda de todos. Isso diminuiu a flexibilidade e adaptabilidade dos trabalhadores, de forma que a liberalização comercial provocou diminuição de salários, aumentos da criminalidade e da religiosidade, com grande crescimento das igrejas evangélicas nas áreas mais afetadas.
Mas, a partir dos anos 80 o Brasil progrediu bastante na área social, especialmente depois da Constituição de 1988. Hoje em dia temos o SUS e apenas 10 crianças morrem no primeiro ano de vida a cada 1000 nascidas. A esperança de vida ao nascer, que era de apenas 45 anos no Nordeste em 1960, agora atinge 72. Em 1992 apenas 25% dos jovens tinham ensino médio ou superior, ao passo que hoje em dia isso acontece com 70% deles. A renda per capita também aumentou bastante, especialmente a partir dos anos 2000, passando de R$ 800 para R$ 1.500. Por fim, a pobreza e a desigualdade também diminuíram bastante.
Houve grande aumento de recursos públicos para educação, saúde e aposentadorias. Mas a dificuldade de financiar esses gastos também era crescente, justamente porque a produtividade aumentava pouco. Com o fim do boom de commodities e os erros de política econômica cometidos pelo governo Dilma, veio a crise a partir de 2014. E, em cima dessa situação já precária, veio a pandemia, que está tendo efeitos dramáticos na educação, saúde, desenvolvimento infantil e mercado de trabalho.
No caso da educação, a maior parte das crianças pobres aprendeu muito pouco nos últimos meses. Isso provocará um grande aumento da desigualdade educacional nos próximos anos, com reflexos sobre a desigualdade no mercado de trabalho. Com relação ao desenvolvimento infantil, vários estudos mostram que períodos de grande estresse emocional entre os pais provocam redução do peso ao nascer, declínio no desempenho escolar e problemas psicológicos. Se nada for feito, haverá necessidade de aumentar muito os gastos sociais no futuro para remediar esses problemas.
No mercado de trabalho, a pandemia acentuou a queda de emprego entre os trabalhadores menos qualificados, devido ao avanço das tarefas não-rotineiras analíticas, como planejamento, controladoria e pesquisa, e declínio das tarefas não-rotineiras manuais, como serviços de conserto e limpeza. A parcela de pais de família menos qualificados empregados reduziu-se 12 pontos percentuais entre 2012 e 2021. Essa diminuição de emprego e renda está tendo grande impacto no desenvolvimento infantil, em adição ao estresse causado pelas escolas fechadas e casas lotadas. Por fim, teremos que tratar das sequelas nas pessoas que foram contaminadas pelo vírus e da saúde dos que deixaram de se cuidar durante a pandemia.
Assim, após a pandemia teremos que reconstruir o Brasil. Devemos aproveitar os acertos e corrigir os erros cometidos nas últimas décadas. É crucial ter políticas ativas para reduzir a desigualdade de oportunidades desde a primeira infância. A questão distributiva tem que ocupar posição de destaque. Será necessário abrir mais a economia de forma planejada para incentivar a concorrência e aumentar a produtividade das nossas empresas, melhorar a gestão educacional e aumentar o número de horas-aula nas escolas públicas para recuperar o tempo perdido. Precisaremos de uma reforma tributária decente, que seja progressiva, horizontal e que diminua as distorções existentes. O Brasil evoluiu em muitos aspectos nos últimos 40 anos, mas teremos que corrigir nossos erros para conseguirmos crescer novamente.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-brasil-do-futuro-2.ghtml

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Sobre o autor

Naercio Menezes Filho