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Valor (publicado em 04/11/2021)

É cedo para atribuir responsabilidade à alta de juros pelo estancamento da recuperação

Em edição recente, a revista The Economist ressalta a crescente importância dos dados econômicos de alta frequência para atividades de pesquisa e a formulação de políticas públicas, um processo que já vinha ocorrendo, mas que foi acelerado pela pandemia. Isto porque o choque da pandemia aumentou a demanda por informações tempestivas sobre o estado da economia, em um momento em que a própria compilação de dados econômicos estava parcialmente comprometida, dada a necessidade de distanciamento social.

Bancos e empresas de pagamento, com o seu papel central na viabilização e financiamento da atividade econômica, podem desenvolver indicadores interessantes e informativos sobre o ciclo de negócios. Mas empresas de tecnologia e do setor de serviços também podem ser importantes geradoras de dados (por exemplo, sobre mobilidade urbana, uma forma de monitorar e medir a severidade e aderência a regras de distanciamento social, ou reservas em restaurantes, para acompanhar a recuperação do setor de serviços).

É cedo para atribuir responsabilidade à alta de juros pelo estancamento da recuperação

Os usuários são múltiplos, desde as universidades até órgãos públicos, passando por instituições financeiras, comércio e indústria. No Itaú, desde o início da pandemia temos desenvolvido e utilizado uma bateria de indicadores voltados para acompanhar a atividade econômica e o mercado de trabalho.

O primeiro indicador foi o Idat-Atividade, com frequência diária e que incorpora dados proprietários sobre gastos agregados em cartões de crédito e débito na compra de bens e serviços, bem como informações públicas sobre o consumo de energia na indústria. O Idat-Atividade foi calibrado para nível 100 no período anterior à pandemia de covid-19. O indicador usualmente sai com uma defasagem de apenas 4 dias, então é uma medida muito mais tempestiva da atividade econômica do que os dados oficiais, compilados pelo IBGE, como a produção industrial (cerca de 35 dias), atividade no comércio (42 dias) e serviços (43 dias). Os dados gerados pelo IBGE seguem sendo fundamentais para o acompanhamento da economia brasileira, mas tenderão, com o tempo, a ser complementados por indicadores de alta frequência.

A evolução do Idat-Atividade desde o início da pandemia parece consistente com a narrativa geralmente aceita sobre os impactos sociais e econômicos da pandemia. Partindo de 100 na primeira quinzena de março de 2020, o indicador (considerando a média móvel de 7 dias, para mitigar o impacto de feriados e finais de semana) mergulha para um piso de 52,6 no dia 30 de março, em linha com o intenso declínio da mobilidade social, e começa a se recuperar gradualmente desde então. Os diferentes componentes do Idat-Atividade apresentam “pisos” entre 29 de março e 16 de abril de 2020: 55,8 para o consumo de bens, 24,9 para o de serviços, e 66,6 para o uso de energia na indústria.

A economia depois entrou, sob a influência de fortes estímulos governamentais e algum relaxamento do distanciamento social, em um gradual, mas consistente, processo de recuperação, até setembro de 2020, para um patamar cerca de 10% abaixo do nível pré-pandemia. Com as típicas oscilações observadas na virada do ano, o Idat-Atividade manteve-se nessa vizinhança até o início de março de 2021, quando recuou novamente, sob a influência da variante gama de covid-19.

Apesar do número de casos e mortalidade da pandemia atingirem seu pior momento naquele período, a reação da economia foi relativamente modesta, com uma queda para o patamar de 80%. Isto porque a redução da mobilidade parece ter sido bem mais limitada do que na primeira onda, e também porque houve um importante aprendizado por parte de empresas e famílias, com evolução do comércio eletrônico e de práticas de trabalho remoto – de fato, o impacto mais severo novamente recaiu sobre o setor de serviços. Com o progresso da vacinação e a melhora dos dados sanitários, o Idat-Atividade entrou em nova tendência de alta a partir de abril, que durou até meados de setembro.

Outro membro de nossa família de indicadores, o Idat-Emprego confirma os dados do Caged, do Ministério da Economia, que mostram uma deterioração até meados de 2020, seguida por cerca de um ano de vigorosa recuperação. Por sua vez, o Idat-Salário aponta que salários vêm em alta, mostrando incremento de cerca de 5% ante o que se observava no mesmo período de 2019, e 9% ante 2020. Ambos os indicadores são compilados por meio da análise de dados agregados de folhas de pagamento.

Como mencionado acima, o IDAT-Atividade vinha mostrando recuperação até setembro, mas a tendência parece ter perdido ímpeto nas últimas semanas – indicadores oficiais, tais como as pesquisas do IBGE sobre indústria e comércio também apontam para um estancamento da recuperação. Essa aparente “parada técnica” pode refletir a escassez de insumos na indústria, o encarecimento da energia, bem como o efeito da inflação sobre o poder de compra e a confiança dos consumidores.

A volatilidade dos mercados e o consequente aperto das condições financeiras também devem estar tendo seus efeitos. É cedo, contudo, para responsabilizar o (necessário) ajuste da política monetária. Os efeitos da alta da Selic virão, mas predominantemente em 2022.

Link da publicação: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/economia-em-tempo-real.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Mario Magalhães Carvalho Mesquita