Entrevistas

Mudanças globais beneficiam Brasil, mas país precisa avançar em reformas, diz ex-ministro Levy

Para ex-ministro da Fazenda, país tem potencial maior que outros emergentes na atração de investimentos

Agência TradeMap

A pandemia de coronavírus e a guerra entre Rússia e Ucrânia desorganizaram as cadeias globais de fornecimento de insumos e produtos, que passam por um momento de reorganização. Esse é um cenário que pode beneficiar o Brasil, mas isso dependerá de o país aprovar reformas, em especial a tributária, em tramitação no Congresso.

Essa é a avaliação de Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda, ex-secretário do Tesouro, ex-presidente do BNDES e atualmente diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercados do banco Safra.

“Um país com a maturidade do Brasil tem que enfrentar essas pautas mais técnicas para poder tirar vantagem da situação internacional que tem vivido”, afirmou ele em entrevista à Agência TradeMap. “Há um projeto no Senado hoje que devia ser assunto permanente de discussão no setor empresarial e por todos que querem ver o Brasil crescer 3% ao ano ao longo dos próximos anos dessa década.”

Ele se refere à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 110/2019, que voltou à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) no final de maio e que simplifica a cobrança de tributos federais, estaduais e municipais.

“É um tema árido e que às vezes as pessoas e setores ficam desconfiados, mas simplificar o Pis-Cofins e mais para frente o próprio ICMS é a reforma mais urgente para as empresas poderem crescer, fazer escolhas de investimentos eficientes e criarem empregos.”

Na avaliação de Levy, outro passo importante é que o país demonstre que possui estabilidade macroeconômica, implementando uma política fiscal responsável e elevando a qualidade do gasto público de forma a estimular a concorrência entre as empresas.

“A participação do Brasil na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], um movimento iniciado há muitos anos e que ganhou impulso desde a metade dos anos 2010, pode dar uma sinalização importante dessa maior previsibilidade e simplificação da economia.”

Para o executivo, um dos trunfos do Brasil na atração de investimentos é o fato de o país ter um potencial maior que outros emergentes para alcançar o status de uma economia “zero carbono”, ou seja, com emissões neutras de gases causadores do efeito estufa.

“[A energia limpa] é uma pauta que se bem trabalhada rende muito, e não vai criar tensão fiscal”.

Leia abaixo a entrevista completa.

Durante o Brazil Summit 2022, o senhor apontou que os países estão reavaliando suas cadeiras de suprimentos e de valor, e que isso pode ser interessante para o Brasil. Por que o Brasil pode se beneficiar desse cenário?

O Brasil tem experiência industrial e longa tradição de trabalhar com empresas internacionais. Se demonstrarmos estabilidade macroeconômica e simplificarmos a área tributária de forma a baixar certos custos, podemos ampliar a participação da indústria no PIB [Produto Interno Bruto] e em nossas exportações, criando empregos interessantes.

A participação na OCDE, um movimento iniciado há muitos anos e que ganhou impulso desde a metade dos anos 2010, pode dar uma sinalização importante dessa maior previsibilidade e simplificação da economia.

O Brasil está melhor atualmente do que os seus pares emergentes no cenário internacional, em termos de potencial de atração de recursos estrangeiros? Vê o Brasil retomando protagonismo?

O Brasil tem muitas vantagens, inclusive pelo funcionamento das instituições democráticas e a possibilidade de avançarmos muito no caminho de nos tornarmos uma economia com emissões líquidas zero de carbono, o net zero.

Esse é um objetivo que muitos países buscam, mas que encontrarão mais dificuldades em alcançar que o Brasil.

Hoje as pesquisas eleitorais mostram polarização entre dois candidatos vistos como pouco comprometidos com a sustentabilidade fiscal. Como vê o cenário fiscal e o teto de gastos a partir de 2023?

A responsabilidade fiscal é uma conquista do povo brasileiro. Não há muita vantagem em apenas aumentar o gasto público.

O que precisamos é qualidade no gasto e favorecer a concorrência no setor empresarial, fazendo escolhas ambiciosas para aproveitarmos o potencial do país. Isso inclui o maior nível educacional das dezenas de milhões de brasileiros que completaram o ensino superior nos últimos 20 anos.

Recentemente, houve uma flexibilização do teto de gastos, com a mudança do período de cálculo para o mecanismo. Ao mesmo tempo, houve um forte aumento das emendas de relator (o chamado Orçamento secreto). O Congresso vem ganhando protagonismo nas decisões sobre orçamento? 

Temos que ter cada vez mais atenção em relação às escolhas orçamentárias.  A população ganha muito quando há planejamento, transparência, programas institucionalizados. E o dinheiro rende mais quando há esse tipo de política pública. Em que, por exemplo, as necessidades dos municípios são atendidas dentro de critérios bem estabelecidos e de conhecimento geral.

Há muitas experiências mostrando isso. A qualidade do gasto público tem que ser medida e se tornar uma prioridade cobrada por todos os cidadãos.

Como é possível para o Brasil melhorar a produtividade? Quais as medidas necessárias para avançarmos nesse ponto?

Uma das primeiras medidas seria endereçar o problema da tributação indireta.

É um tema árido e que às vezes as pessoas e setores ficam desconfiados, mas simplificar o Pis-Cofins e mais para frente o próprio ICMS, é a reforma mais urgente para as empresas poderem crescer, fazer escolhas de investimentos eficientes e criarem empregos.

Um país com a maturidade do Brasil tem que enfrentar essas pautas mais técnicas para poder tirar vantagem da situação internacional que tem vivido. Há um projeto no Senado hoje que devia ser assunto permanente de discussão no setor empresarial e por todos que querem ver o Brasil crescer 3% ao ano ao longo dos próximos anos dessa década.

Quais as oportunidades que vê para o Brasil em energia limpa de baixo custo?

As oportunidades em energia limpa são enormes.  O crescimento da energia solar tem sido notável e a eólica está agora expandindo na fronteira offshore [fonte de energia através do aproveitamento da força do vento em alto mar], com preços cada vez mais baixos.

Há alguns acertos técnicos para realmente estimular o investimento, como a recalibragem da chamada garantia física das hidrelétricas [quantidade máxima de energia que pode ser comercializada], recentemente sugerida pelos técnicos do TCU [Tribunal de Contas da União]. É preciso também destravar a pauta do gás natural, com uma modelagem que viabilize novos gasodutos de escoamento, inclusive para garantir a soberania no campo dos fertilizantes.

Mas temos avançado, e há um enorme potencial de emprego e crescimento se criarmos as condições para o carro elétrico híbrido [com motor elétrico e álcool].

Além de dar um novo folego à nossa indústria, o carro híbrido vai baixar o custo do transporte e as emissões nas cidades e dar tempo para criar a infraestrutura para abastecer carros 100% recarregados na rede elétrica em 15 ou 20 anos.

Há muitas oportunidades no saneamento e tratamento do lixo, que podem melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas, evitar a emissão de milhões de toneladas de gás carbônico por ano e remunerar adequadamente o investidor privado brasileiro e estrangeiro. É uma pauta que se bem trabalhada rende muito, e não vai criar tensão fiscal.

Link da publicação: https://trademap.com.br/agencia/entrevistas/mudancas-globais-beneficiam-brasil-mas-pais-precisa-avancar-em-reformas-diz-ex-ministro-levy

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