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Estamos longe do equilíbrio fiscal

Folha

Banco Central divulgou o déficit primário de 2023 do Governo Central (exclui estados, municípios e estatais), que atingiu R$ 264,5 bilhões (2,43% do PIB). O terceiro pior resultado desde 1991. Uma deterioração de 2,98 pontos percentuais do PIB, quando comparado ao superávit primário de 0,55% do PIB, obtido em 2022.

Esses números estão embaçados por criatividades contábeis adotadas nos últimos anos. Para avaliar a efetiva expansão fiscal de 2023, precisamos fazer ajustes. Primeiro, porque o governo anterior empurrou despesas de 2022 para 2023. Segundo, porque o governo atual, ao perceber que o debate político havia se deslocado para a meta de déficit zero em 2024, tratou de antecipar despesas e atrasar a entrada de receitas, para melhorar os números de 2024 às custas de piora no déficit de 2023.

Após os ajustes que excluem esse “estica e puxa” de receitas e despesas, percebe-se uma deterioração fiscal significativa de 1,33 ponto percentual do PIB na comparação de 2023 com 2022. A tabela detalha os ajustes.

Do déficit de 2023 oficialmente divulgado (linha 1), subtraí as despesas de 2022 que foram empurradas para 2023. Primeiro, precatórios referentes ao exercício de 2022, que estavam em moratória devido à PEC dos Precatórios, e que o atual governo saldou ao final de 2023 (linha 3). Segundo, compensações a estados e municípios decorrentes da limitação na alíquota do ICMS, que o Banco Central registrou como pagamentos em 2023, mas que foram pagos mediante abatimento na dívida dos estados e municípios em 2022.

O segundo bloco de ajustes exclui as despesas que foram antecipadas de 2024 para 2023. Na linha 6 temos o depósito feito pelo Tesouro em um fundo que vai custear a bolsa a alunos do ensino médio ao longo de 2024. Na linha 7 temos os precatórios que deveriam ser pagos em 2024 e foram antecipados para 2023. A linha 8 registra a compensação a estados e municípios, em decorrência de limitações nas alíquotas de ICMS, que deveria ser paga em 2024 e também foi antecipada para 2023. Na linha 9 temos uma receita de depósitos judiciais, que a Caixa Econômica poderia ter transferido ao Tesouro no ano passado, mas deixou para fazê-lo em 2024.

Retirando todos esses itens da conta, teríamos um déficit primário ajustado de 1,58% do PIB (linha 10). Um valor ainda alto, o sexto maior déficit da série desde 1991, e superior ao 0,5% prometido no início do ano e ao 1% que o governo passou a mirar a partir do meio do ano.

Para aferir a deterioração fiscal em relação ao superávit de 2022, temos que também ajustar este último. Do superávit de 0,55% do PIB oficialmente registrado em 2022 (linha 11), temos que deduzir 0,30% do PIB em despesas de 2022 que foram empurradas para 2023 (linha 2). Além disso, precisamos levar em conta que 2022 foi ano de receita atipicamente altas, tanto em função de eventos como a privatização da Eletrobras (R$ 28 bilhões ou 0,3% do PIB), quanto pelos altos preços de commodities, que impulsionaram a arrecadação. Assim, do resultado de 2022, abato 0,5% do PIB de receitas atípicas, chegando a um resultado primário ajustado para 2022 de -0,25%.

Portanto, após ajustes, saímos de um déficit de 0,25% do PIB em 2022 para um déficit de 1,58% em 2023. Uma piora não desprezível de 1,33 ponto percentual (linha 13).

Note-se, ademais, que a manobra de antecipar despesas e postergar receitas de 2024 melhorará artificialmente as contas de 2024 em 0,55% do PIB (linha 14). Assim, se o governo atingir a sonhada meta de déficit zero em 2024, isso significará, na verdade, um déficit ajustado de 0,55% do PIB. Se for confirmada a expectativa do mercado, expressa no mais recente relatório “Prisma Fiscal”, de um déficit de 0,75% do PIB, então o valor ajustado será de 1,30% do PIB (0,75+0,55).

Em suma, apesar de todo o esforço de aumento de receitas, a dificuldade para controlar despesas fará com que tenhamos uma redução pouco expressiva do resultado primário, que, nas contas aqui ajustadas, passaria de 1,58% do PIB em 2023 para 1,30% em 2024. Ainda estamos longe de conseguir o resultado primário necessário para estancar o crescimento da dívida pública.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2024/02/estamos-longe-do-equilibrio-fiscal.shtml

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Sobre o autor

Marcos Mendes