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Primeira avaliação da política industrial

Folha

O governo lançou seu programa de política industrial (PI), chamado de Nova Indústria Brasil (NIB). As políticas estão organizadas na forma de missões.

Há seis: agronegócio para segurança alimentar; complexo da saúde para reduzir a vulnerabilidade do SUS; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade; transformação digital da indústria; biotecnologia, descarbonização e transição energética; e tecnologias de interesse para a soberania nacional.

É cedo para uma avaliação mais completa da política. É necessário sabermos os detalhes da governança. À luz da literatura técnica do tema (veja minha coluna de 30 de setembro passado), observo três deficiências no atual desenho.

Primeira, um dos instrumentos são os requisitos de conteúdo local. Exceto quando se trata de questões de segurança e regularidade da oferta, não se deve empregar esse instrumento. É melhor haver metas de exportação.

OMC (Organização Mundial do Comércio) não permite o emprego de subsídios à exportação, mas permite o uso de salvaguardas que fecham o mercado doméstico para a competição com o bem importado por até dez anos.

Assim, há uma janela de dez anos, que, como veremos, pela experiência internacional, é suficiente para desenvolver localmente uma indústria antes de abrir para a competição e cobrar metas de exportação.

A segunda deficiência é a profusão de missões. Políticas altamente discricionárias precisam ter foco. O formulador da política precisa fazer escolhas. Não houve esse esforço. Bem à brasileira, quase tudo foi contemplado.

A terceira deficiência é haver muitos objetivos: inclusão socioeconômica; equidade e diversidade; promoção de bons postos de trabalho; desenvolvimento produtivo; ganhos de produtividade; redução das desigualdades; sustentabilidade; e inserção internacional qualificada. A literatura documenta que muitos objetivos pioram o desempenho da política.

É unânime entre os estudiosos que PI bem-sucedida requer metas claras e avaliação permanente. E, principalmente, que haja mecanismos de término da política se ela não funcionar.

Uma PI bem-sucedida tem governança próxima à dos fundos de investimento em startups. Nunca se sabe o que funcionará. O bom gestor é aquele que rapidamente identifica o que deu errado e encerra a política.

A PI é transitória. Ela tem que terminar logo. Ou porque funcionou ou porque não funcionou. Essa é a maior dificuldade que vejo para o emprego da PI no Brasil.

Fomos muito bem-sucedidos em estabelecer um parque de energia eólica. Os custos caíram, e hoje o setor é competitivo. Ninguém consegue eliminar os subsídios.

Um dos exemplos mais bem-sucedidos de PI foi a industrialização pesada da Coreia do Sul, na década de 1970. Entre o início e o fim da política, decorreu menos de uma década.

Exemplo recente foi o desenvolvimento da indústria de carros elétricos na China. Segundo reportagem recente de Yanmei Xie no Financial Times, a política de subsídios iniciou-se em 2009 e já em 2018 o mercado foi aberto e as barreiras protecionistas foram reduzidas.

Em particular, houve o esforço de trazer a Tesla —a grande montadora americana de carros elétricos— para competir com as operadoras chinesas.

Em nosso último esforço de substituição de importações para a indústria naval, estudo conduzido pelo Ipea documentou que, entre 2005 e 2011, não houve ganhos de produtividade do trabalho nos estaleiros.

O mesmo relatório aponta que o custo unitário do trabalho (razão entre os custos do trabalho e a produtividade do mesmo trabalho) no Brasil é 11 vezes maior que na China e 5 vezes maior que na Coreia do Sul. Sem que ocorram rapidamente expressivos ganhos de aprendizado, a política não será sustentável.

Será necessário conhecer melhor os detalhes do desenho da política, mas é importante que eles atendam aos princípios básicos que foram aprendidos com as experiências bem-sucedidas e também com as malsucedidas.

Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/samuelpessoa/2024/02/primeira-avaliacao-da-politica-industrial.shtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Samuel Pessôa