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Retrocesso ambiental ameaça o planeta

Globo

Celso Lafer e Rubens Ricupero

O enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) tramado no Congresso suprime no nascedouro a esperança de que o Brasil se torne uma economia verde, acabe com o desmatamento e receba do mundo reconhecimento sob a forma de investimentos e comércio.

Tanto no caso do MMA quanto no do Ministério dos Povos Indígenas, o relator da Medida Provisória retira atribuições e meios indispensáveis aos órgãos para cumprir o programa de regeneração da realidade e da imagem do Brasil. Vitorioso nas eleições, apoiado com entusiasmo pela comunidade internacional, esse programa não sobreviverá à negação de competência para agir de modo eficaz.

No caso do MMA, surrupia-se a possibilidade de gerir o Cadastro Rural, chave do controle do desmatamento e da grilagem. Nega-se o ideal de gestão sustentável da água, recurso mais precioso da vida. Não contente, o relatório amputa a autoridade para velar por lixo e resíduos sólidos, problema central em sociedade mais de 85% urbana. No caso dos indígenas, não se chegou a propor a extinção do ministério, mas se subtrai dele a demarcação, questão de vida e morte para os povos originários.

Os motivos alegados para as mutilações mal escondem o essencial: trata-se de retrocesso ao espírito e prática do bolsonarismo. Volta com força a tática de fazer “passar a boiada” por meios administrativos e manipulação da lei. Como escreveu no GLOBO Merval Pereira, a profunda desfiguração da proposta original traz também uma invasão de competência de um Poder em outro. Da mesma forma que se julgaria intolerável o Executivo querer ditar a organização interna do Legislativo e do Judiciário, não é razoável ao Congresso impedir o Executivo de se organizar de maneira a refletir as prioridades sancionadas pelas urnas.

No plano geral, cabe lembrar que o artigo 225 da Constituição positivou em nosso país o direito de titularidade coletiva a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade os deveres de defendê-lo e preservá-lo. A proposta do relator subtrai do Executivo, além do acima exposto, condições de levar adiante sua responsabilidade constitucional.

A isso cabe agregar que a Rio-92 consagrou na agenda internacional e no Direito, com destacada atuação da diplomacia brasileira, o conceito de desenvolvimento sustentável. Este substancia a interconexão e a interdependência entre a aspiração legítima ao desenvolvimento e o imperativo da preservação do meio ambiente. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental e seus custos devem constituir parte integrante da racionalidade dos processos decisórios, públicos e privados. A Rio-92 também sublinhou a importância de novos institutos jurídicos, indispensáveis para a gestão de riscos do meio ambiente provenientes da ação humana, como os princípios da precaução e da avaliação de impacto ambiental.

No caso da exploração petrolífera na foz do Amazonas pela Petrobras, é de competência do Ibama, com seu repertório acumulado de conhecimentos, o laudo de impacto ambiental. O Ibama se situa no âmbito do MMA, dirigido por Marina Silva, cuja trajetória na vida pública é exemplo de integridade pessoal e conhecimento aprofundado. Foram o apoio dela à campanha presidencial e sua presença no ministério que adensaram a credibilidade internacional de Lula e seu papel na construção de nosso lugar no mundo. Enfraquecer Marina e o MMA é um tiro na nossa credibilidade internacional. Corrói nosso capital diplomático. Terá consequências para a inserção internacional do Brasil. Facilitará barreiras à exportação de nossos produtos, inclusive os do agronegócio.

Como pleitear sediar na Amazônia a COP de 2025 se os ministérios que deveriam dar-lhe conteúdo saem desmoralizados e enfraquecidos? Com que autoridade moral Lula, com o respaldo de Marina e o apoio do Itamaraty, poderá continuar a reivindicar nos foros mundiais o cumprimento das promessas de cooperação internacional se o Legislativo lhes retira a possibilidade de mostrar que o Brasil cumpre com seriedade o que promete?

É imperativo evitar um retrocesso fatal que golpeia a esperança nascida no coração dos brasileiros que desejam para si e seus descendentes um país e um planeta com sustentabilidade e justiça. A preservação ambiental e da Amazônia é um valor compartilhado pela sociedade civil e pela opinião pública brasileira. O Congresso deveria inspirar-se nesse sentimento, dando republicanamente ao governo meios de atender ao anseio popular.

Link da publicação: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2023/05/retrocesso-ambiental-ameaca-brasil-e-planeta.ghtml

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Sobre o autor

Celso Lafer