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Foi, sim, o teto de gastos

Estadão

Bráulio Borges, em artigo recente, criticou proposta de Mário Mesquita de reviver o teto de gastos para trazer a taxa real de juros de volta às médias que vigoraram de 2017 a 2019, pouco abaixo de 3% ao ano.

Segundo Bráulio, o teto de gastos não foi o responsável pelo juro real mais baixo. Argumenta que o resultado estrutural do Tesouro no período que se seguiu à criação do teto melhorou pouco, o que não justificaria sua redução. Os verdadeiros responsáveis teriam sido (1) a elevada ociosidade da economia; (2) a queda dos juros americanos e (3) a baixa inflação de alimentos.

Os números, porém, discordam. A reversão lenta do resultado primário, logo da dívida, fazia parte do desenho original do teto. A ideia era congelar o gasto em termos reais e permitir que o crescimento da economia gradualmente erodisse a despesa em proporção ao PIB. Como esta, porém, atingira 20% do PIB, mesmo expansão próxima ao potencial só teria efeitos visíveis no gasto depois de algum tempo.

De fato, pelas contas da Instituição Fiscal Independente, o resultado estrutural pouco mudou nos primeiros anos, mas em 2020 já havia melhorado em mais de 1 ponto porcentual do PIB e em 2021 já se tornara positivo (0,6% do PIB contra déficit de 1,7% do PIB em 2016).

Vale dizer, o teto funcionou a contento, ainda que sujeito às conveniências políticas de curto prazo. Não fora demolido, graças à combinação da PEC dos Precatórios ao final de 2021, a PEC Kamikaze em meados de 2022 e a PEC da Transição ao final de 2022, teria produzido resultados ainda melhores.

Já os motivos apontados como responsáveis pela queda de juro não se sustentam. A ociosidade da economia em 2016 era maior do que no intervalo 2017-19 segundo estimativas do BC, o que implicaria elevação, não queda, do juro real no segundo período.

E, embora seja verdade que o juro americano tenha caído à época, a redução no Brasil foi bem maior. A diferença entre o juro real de dez anos aqui e lá fora, que rodava em torno de 6% ao ano em 2014-16, caiu para 3% ao ano no final de 2019.

Por fim, a inflação de alimentos mais baixa foi um fenômeno temporário, enquanto a queda de juros se provou bem mais persistente.

Ao final, a evidência aponta o ajuste fiscal como essencial para reduzir o juro real. Isto dito, dificilmente convenceremos os agentes da seriedade de propósito pela criação de novo teto. Queimamos este cartucho em 2021-22 e, ao contrário da experiência original, teremos agora que mostrar resultados antes de colher a redução do juro real.

Link da publicação: https://www.estadao.com.br/economia/alexandre-schwartsman/teto-de-gastos-foi-essencial-para-reduzir-a-taxa-real-de-juros/

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Alexandre Schwartsman