É preciso buscar um programa que não seja rebuscado, que não seja arrogante, inteligível pela sociedade
Horacio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski
Estadão
Faz poucos dias tivemos a oportunidade de assistir a dois eventos que nos parecem ter passado, anestesiados que estamos tantos, pouco percebidos.
Um deles, da direita mais radical, aconteceu por meio de um seminário com a presença de empresas relevantes que operam as redes, uma aula de como usar a nova potência da disseminação da (des)informação. Não obstante as tecnicalidades, tanto dos sistemas quanto da habilidade de seus representantes em dirigir mensagens muitas vezes na fronteira da manipulação disfarçada em algoritmos, o que se viu ali foi o grau de aparelhamento para as próximas eleições, seu poder, as ameaças e oportunidades sob o manto do enorme e violento guarda-chuva de uma dita nova estratégia de comunicação.
De outro lado, uma carta dirigida ao PT por um de seus próceres, o ex-ministro José Dirceu que, usando alguns chavões já envelhecidos, embora não deva ampliar o apoio para seu candidato em 2026, inegavelmente é um chamamento vigoroso para reagrupar as forças mais tradicionais e radicais da esquerda.
Quando olhamos para a alternativa a ambos os polos, mais barulhentos que quantitativamente relevantes, sente-se claramente a falta não somente dos instrumentos que a direita já possui, e bem desenvolvidos, como esta expressão vocal da esquerda. Falta, certamente, uma visão ampliada na política do que poderia representar uma coalizão liberal, democrática, moderna e inovadora, que priorizasse o interesse da maioria em detrimento daqueles que se apoderaram do Estado, quando não quase da nossa perseguida, mas até aqui suada e vitoriosa, democracia.
Falta-nos um país pautado pela ética com as gerações futuras e que reduza as desigualdades, assegurando renda e igualdade de oportunidades. Um país que tenha como força motriz o capitalismo empreendedor e o Estado dirigido para suas obrigações fundamentais. Um país que retome a sofisticação de sua política externa, na defesa dos interesses objetivos, e se livre de ideologias superadas e que não deram certo. Um país onde a educação e a saúde estejam livres da influência do sindicalismo retrógrado. Faltam instituições e princípios muito mais potentes do que os atuais.
Num sobrevoo sem mergulho, aos possíveis candidatos que se apresentam nesse momento da corrida eleitoral, e aqui cabe o foco neste espectro que vai da centro-direita até a centro-esquerda, que parece ser a maioria, falta carisma e conteúdo. Carisma é competência individual, que pode ser melhorada com treinamento, mas conteúdo, e a aglutinação de forças como está tentando fazer o experiente José Dirceu, talvez seja a tarefa inicial para mobilizar o enorme contingente de indignados com os extremos, na sua inabalável esperança de ver o País melhor.
Os melhores candidatos deste grupo parecem estar apenas dimensionando suas chances diante da matemática eleitoral. Falam de gestão, que é bom e necessário, mas insuficiente. Embelezam o passado, que é importante referência, mas carecem de nova linguagem, programa, compromissos de longo prazo, aqueles que ultrapassam seus próprios mandatos. Falta liderança, não somente de um líder, mas de um consenso.
É preciso buscar um programa que não seja rebuscado, que não seja arrogante, inteligível pela sociedade. Com clareza, relevância, ambição comedida, mas que, em sua essência, possa ser cumprido. Se há tanta percepção e incômodo com questões como corrupção e segurança, pontos que residem exatamente nas gestões ideológicas dos últimos governos, como é que esta sociedade não consegue vocalizar não apenas a reclamação, mas o chamado para sua própria mobilização?
O mesmo vale para a saúde, destruída, para as contas públicas, à beira do abismo, para as reformas, sempre adiadas e convertendo o que seriam bem discutidas soluções estruturais, em meros aumentos de impostos, preguiçosos, muitas vezes injustos, e de má qualidade.
Ao eleitor não basta votar. É preciso acreditar no valor da vigilância dos Poderes, na responsabilidade da cobrança de seus congressistas, na crença na luta por liberdade, com presença do Estado na regulação eficaz, mas limites dados e cobrados. O eleitor tem tanta importância antes como depois das eleições. Uma democracia que recompense seus cidadãos, dá sim trabalho.
Pois bem, há um enorme contingente de indignados que tem se manifestado em grupos, debates, artigos, e que entendendo que estamos a pouco mais de um ano do pleito, sem procrastinação devem estruturar um documento de centro, menos importante se mais à esquerda ou direita, mas com compromissos de curto, médio e longo prazos redentores das mazelas econômicas, sociais, ambientais e políticas que estão consumindo nosso país sob nossos, hora cansados, hora estagnados olhos. E com ele em mãos, enfrentar adversários, não pela via da negação inútil das posições e muitas vezes covardes fake news, mas pela confiança e segurança de sua própria mensagem. Menos que isso, é nada.
Falta discurso e narrativa, falta projeto, falta paixão.
Link da publicação: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/os-extremos-em-acao/
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