CDPP na Mídia

Plano de ex-ministro da Fazenda prevê antecipar em 15 anos o prazo para zerar emissões de carbono

Documento elaborado por Joaquim Levy para grupo da elite econômica e empresarial traz medidas para acelerar a economia de baixo carbono no Brasil

Estadão

O Brasil pode encurtar em até 15 anos o prazo para zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa, medida essencial para frear o acelerado aquecimento global. Esse processo é chamado pelos especialistas de “net zero”.

A previsão faz parte de uma proposta elaborada pelo ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que preparou um documento de 17 páginas com as bases de uma agenda climática para acelerar essa travessia, batizada de o “Novo Desenvolvimento Brasileiro”.

A proposta foi feita por sugestão do empresário Pedro Passos, co-fundador da Natura, para o Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP), grupo sem fins lucrativos que reúne parte da elite do meio econômico e empresarial brasileiro, incluindo nomes como os ex-diretores do Banco Central  Affonso Celso Pastore e Armínio Fraga, e os executivos Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, e Luis Stuhlberger, sócio fundador do Fundo Verde

O plano de Levy, que inclui uma série de medidas, marca a estreia do blog de debates do CDPP com um artigo que traz um roteiro para o País na agenda climática. O blog publicará toda segunda-feira artigos vinculados a dez grandes propostas para o futuro do País neste ano de eleições.

Segundo Levy, o Brasil tem vantagens que permitem fazer essa transição para o carbono zero com menos custos, sem inflação, com forte geração de emprego, e potencial para gerar um grande ciclo de crescimento verde.  “É totalmente factível chegarmos entre 2035 e 2040, bem antes das economias avançadas”, diz o ex-ministro da Fazenda. 

União Europeia e os Estados Unidos se comprometeram a zerar as emissões líquidas até 2050 e o governo brasileiro manifestou a intenção de fazer o mesmo. A China diz que será net zero em 2060.   

Na avaliação do ex-ministro, essa rota pode ser uma espinha dorsal para o crescimento econômico inclusivo nos próximos anos. Um ponto central apontado por ele é que as escolhas tomadas agora podem baixar o custo de capital e impulsionar a criação de bons empregos no Brasil, como já vem ocorrendo com o avanço dos investimentos em energia solar e eólica.

Medidas

Para zerar as emissões, o Brasil teria que eletrificar o transporte e outras atividades, diminuir as emissões da pecuária via manejo de pastagem e da agricultura acumulando carbono no solo, e principalmente parar de desmatar, passando a regenerar pelo menos 20 milhões de hectares de florestas, entre outros pontos. 

Levy acredita que o setor financeiro terá um papel crucial na viabilização dessa transição, notando o interesse do segmento nos créditos de carbono e a orientação do Banco Central para a identificação da exposição dos bancos a riscos climáticos, que deverá ser tratada a partir do ano que vem, assim como a oferta de produtos alinhados ao tema, como fundos indexados a mercados regulados de carbono.

Atual diretor de Estratégia Econômica do Banco Safra, Levy destaca no trabalho que o Brasil pode acelerar a eletrificação dos veículos leves e semipesados com o uso de motores híbridos em série, os VEHS, alimentados pelo etanol

São aqueles em que o motor a combustão interna é usado apenas para alimentar a bateria do veículo, e a tração é garantida exclusivamente pelo motor elétrico, são ideais para veículos leves no tráfego urbano, e podem ter custos de construção e manutenção bastante baixos. Ele está envolvido há muitos anos em temas ligados ao meio ambiente desde que esteve no governo e mais tarde num programa que fez, em 2020, na Universidade de Stanford.

O empresário Pedro Passos conta que a sugestão do estudo partiu da sensação de que o Brasil tem uma grande oportunidade pela frente para estabelecer uma nova inserção na economia internacional e recuperar setores industriais e outros segmentos que estão com baixa produtividade. “Algumas decisões importantes precisam ser tomadas logo”, diz Passos. 

O empresário afirma que está preocupado com o nível geral do debate para as eleições. “Tem pouca formulação de programa e de compromisso. E tem pílulas de um lado e de outro, principalmente exacerbado pela polarização atual que não tem trazido muita consequência de programas de posturas mais relevantes”, critica.

Debates

Presidente do CDPP e ex-presidente do Banco Central, Persio Arida, avalia que o blog do grupo é uma maneira de contribuir para o debate de ideias. Ele lista os outros temas da série: Reformas no Mundo Público; Corrupção e Desenvolvimento; Educação e o Futuro; Desigualdade; Cultura – Construindo uma Nação; Moedas digitais públicas e privadas; Segurança Pública: Mitos e Fatos; Educação e mercado de trabalho, além da Economia do Clima.

“O CDPP é apartidário e a ideia é oferecer novas ideias. Nossas propostas em temas vão além do tradicional, como teto de gastos e política monetária”, ressalta. “O momento é propício porque não está ainda no calor do debate eleitoral, o que é bom”, ressalta, destacando que o formato de debate é acessível para os formuladores de opinião. 

Arida ponderou que não “ninguém quer fazer um programa econômico”, porque essa é uma tarefa dos candidatos.  Ele destaca que o trabalho consegue mostrar que o Brasil chega a emissões líquidas zero sem subsídios.

Propostas do ex-ministro Joaquim Levy para zerar emissões de carbono no Brasil

  • Geração solar, eólica e hidráulica

O potencial de geração elétrica solar e eólica é bem mais que suficiente para abastecer o mercado brasileiro nas próximas décadas. As três fontes renováveis são complementares: a geração eólica é maior à noite e na época seca, períodos de menor produção solar e hidráulica. Com a ampliação das energias solar e eólica, abre-se o caminho para as hidroelétricas funcionarem cada vez mais como “bateria” do sistema elétrico, em vez de prover a energia de base. Expansão da transmissão e o alinhamento de incentivos são essenciais para o setor poder crescer equilibrado. A revisão da garantia física das hidrelétricas pode ajudar a destravar a oferta de eletricidade. 

  • Eletrificação do transporte 

A eletrificação do transporte no Brasil é viável e não inflacionária se a geração com fontes renováveis crescer, e as possibilidades oferecidas pelos biocombustíveis, especialmente o etanol, forem aproveitadas. A eletrificação da nossa frota rodoviária projetada para 2030-50, usando energia da rede elétrica, exigirá duplicar a atual geração de energia elétrica nesse período. Os investimentos necessários, incluindo o reforço da distribuição de energia elétrica, podem se pagar com a economia alcançada com a redução do consumo de combustíveis fósseis que eles permitiriam.

  • Eletrificação da frota de transporte coletivo 

A tecnologia de ônibus urbanos elétricos já existe e é adotada em muitas cidades no mundo. Exigirá investimentos moderados no reforço da distribuição de energia nos pontos de recarga da frota. A transição pode ser facilitada com alterações regulatórias que permitam que o custo das baterias seja amortizado com a economia de diesel que a transição proporcionará. A modernização da regulação federal para cálculo de tarifas, dos anos 1970, pode ser um ingrediente chave para acelerar a eletrificação dos ônibus.

  • Motores híbridos

O Brasil pode acelerar a eletrificação dos veículos leves e semipesados com o uso de motores híbridos em série, os VEHS, alimentados pelo etanol. Suas baterias são tipicamente 10 a 30 vezes menores do que a de um veículo elétrico recarregado estaticamente na rede elétrica. 

  • Biocombustíveis

Outros biocombustíveis poderão contribuir para reduzir emissões, especialmente no transporte aéreo. Uma cultura incipiente, mas muito produtiva e que pode sustentar milhares de famílias na Amazônia Oriental (leste do Pará) é a do dendê, cujo óleo processado serve como combustível de aviação. Misturar 15% de SAF (combustível de aviação sustentável) no combustível consumido mundialmente pelas linhas aéreas exigiria 15 milhões de hectares dessas palmeiras. 

  • Hidrogênio

O hidrogênio é uma forma de contornar a dificuldade de transmitir grandes volumes de eletricidade entre regiões separadas por oceanos. Com a crise de energia na Europa depois da guerra na Ucrânia, ganhou os holofotes. Abastece regiões sem fontes próprias de energia renovável, podendo ser levado em navios. Quando produzido por eletrólise, o hidrogênio é chamado de verde (H2_v). Sua produção exige água e (muita) energia elétrica, além de um equipamento cujo custo ainda é alto, mas vem caindo substancialmente. 

  • Carbono energético sem emissões

O Brasil pode ter termelétricas “zero carbono” instaladas perto dos poços de petróleo e gás offshore (no mar), especialmente aqueles com alto teor de CO2. Os gases de exaustão das termelétricas oceânicas poderão ser injetados nos próprios poços, permitindo a captura e sequestro do CO2 emitido, e a eletricidade trazida para terra em cabos submarinos. A reinjeção aumenta a pressão nos poços e a produção de petróleo.

  • Carvão Vegetal

O carvão vegetal de florestas plantadas, que já responde por mais de 20% do ferro gusa usado na produção de aço no Brasil, pode se expandir, proporcionando um aço “verde” ou “carbono zero”. A ampliação do uso do carvão vegetal impulsionaria o cultivo de florestas de eucalipto no norte de Minas e do Rio de Janeiro, e em muitas partes do Espírito Santo, com prováveis efeitos positivos no emprego, estabilidade hídrica e recuperação de florestas nativas nessas regiões em um horizonte relativamente curto. 

  • Resíduos Sólidos

Novo marco do tratamento dos resíduos sólidos para atrair o capital privado e promover aproveitamento do biogás, reduzindo as expressivas emissões de metano do setor.

  • Desmatamento

Fim do desmatamento e a recuperação de terras desmatadas e degradadas. Exigirá o emprego dos instrumentos para garantir o cumprimento da lei e o fim das invasões de terras públicas.  A recuperação das pastagens degradadas e sua integração à lavoura estimulará a expansão da agricultura sem a necessidade de derrubada da mata e com benefícios para o produtor rural. Para isso são urgentes melhor ordenamento territorial da Amazônia e redução do custo da regularização fundiária em todo o Brasil.

  • Agricultura de Baixo Carbono (ABC)

A produção agropecuária brasileira pode se reposicionar com a extensão do programa ABC para 2022- 30 com a implementação de instrumentos financeiros necessários.  A ABC ainda enfrenta problemas de financiamento, inclusive por falta de conhecimento e incentivos para as instituições de crédito mais próximas da agricultura. 

  • Nova Pecuária

O manejo das pastagens e a suplementação da alimentação do gado podem reduzir em muito a pegada de carbono da carne. A redução da idade de abate do gado de corte para 2-3 anos, e das emissões diárias por cabeça, mediante a melhora da digestibilidade dos alimentos oferecidos ao gado, podem cortar o CO2 por quilo de carne vendida em 50%.  A pecuária responde por 50% da emissões excluindo o desmatamento, assim um “boi baixo carbono” é essencial para o Brasil ser net zero. 

  • Madeira 

Pode ter novo papel na economia com a expansão do plantio comercial de árvores em larga escala, permitindo estender o sequestro de carbono. Florestas cultivadas podem complementar a regeneração natural como ferramenta para sequestrar carbono nos próximos 30 anos, se acompanhadas de novas demandas pelos produtos da madeira. A regeneração natural ou assistida em grande escala é o melhor mecanismo de sequestro de carbono disponível atualmente.

  • Setor Financeiro 

Essencial para canalizar recursos para a transição energética. Alinhamento do setor exigirá compromisso de investidores e instituições financeiras, com adequada regulação. O BC tem avançado na produção de uma “taxonomia”, isto é uma classificação dos produtos financeiros e atividades econômicas pela lente da sustentabilidade. Vai ajudar gestores de ativos a alcançarem objetivos ESG (compromissos socioambientais) com segurança e integridade.

  • Mercado de Carbono 

Registros de créditos de carbonos para um mercado voluntário de âmbito global e desenvolvimento de um mercado regulado de carbono voltado principalmente para o setor industrial, em que créditos de carbono derivados de soluções com base na natureza, especialmente o sequestro de CO2 em árvores e pela integração da lavoura, pecuária e floresta, possam atender até 20% das obrigações das empresas reguladas. 

  • Tecnologia

Apoio a instituições de pesquisa e tecnologia para o desenvolvimento de metodologias com reconhecimento internacional de cálculo de créditos de carbono lastreados na agricultura e pecuária, e no desmatamento evitado e reflorestamento em áreas públicas e privadas.

  • Óleo e Gás

O Brasil poderá ser um grande exportador de petróleo leve, de baixo custo de produção e com emissões fugitivas de metano mínimas. A exportação do nosso óleo trará volume substancial de divisas e contribuirá para o deslocamento de fontes mais poluidoras nos países parceiros. 

Link da publicação: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,joaquim-levy-plano-antecipar-prazo-zerar-emissoes-carbono,70004062002

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

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