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Entrevista: Mário Mesquita

Valor Econômico


A queda do dólar e a redução dos níveis de incerteza provocada pelo resultado das eleições  presidenciais, com a vitória de Jair Bolsonaro (PSL), já estão tendo efeitos concretos para  estimular a economia e poderão adiar o processo de alta dos juros básicos pelo Banco Central, afirma o economista-chefe do Itaú Unibanco, Mario Mesquita.

Em entrevista ao Valor, o ex-diretor de Política Econômica do BC diz que a queda dos juros  negociados em mercado e a alta da Bolsa representam um alívio nas condições financeiras que devem chegar à atividade econômica.

Segundo ele, a eleição, em si, não influencia diretamente as decisões do Banco Central. Mas empurrou o dólar para baixo, melhorando as projeções de inflação e reduzindo os riscos no cenário. “Vai haver uma discussão sobre estabilidade da taxa de juros talvez durante todo o próximo ano”, afirma ele.

“Preocupações que existiam no mercado sobre risco de rever reformas do governo Temer  tendem a se dirimir”

Na entrevista que segue, ele afirma que são boas as chances de aprovação das reformas por um novo governo que começa com aprovação popular. Mas pondera que o cenário internacional ficou menos favorável.

Valor: O Itaú Unibanco reviu as suas projeções para a economia depois das eleições?

Mario Mesquita: Fazemos as revisões nos relatórios mensais, a próxima edição sairá no fim da semana. Os últimos números da economia global também não são tão favoráveis. Aumentaram os riscos de desaceleração na China, a economia europeia mostrou sinais de perda de dinamismo. Tivemos a notícia de estímulo fiscal na China. Se as autoridades lá estão preocupadas, é porque existe esse risco.

Valor: O que muda no cenário no Brasil depois da eleição?

Mesquita: Algumas coisas não mudam, como a necessidade de fazer o ajuste fiscal, que  começa pela reforma da Previdência. A prioridade, que tem sido sinalizada pela equipe de transição do novo governo, é completar esse processo. Algumas preocupações que existiam no mercado durante a eleição sobre o risco de rever reformas do governo Temer tendem a se dirimir.

Valor: Qual é a real perspectiva de resolver o imenso problema fiscal no governo Bolsonaro?

Mesquita: Não é um problema que vai ser resolvido no curtíssimo prazo. Tem primeiro que
zerar o déficit, depois caminhar para o superávit primário na faixa de 2% a 2,5% do PIB [Produto Interno Bruto]. Isso não vai acontecer nos próximos dois anos. Provavelmente, é  algo mais para o fim do mandato presidencial. No entanto, zerar o primário em 2019 é algo factível, ainda que baseado em eventos não recorrentes, se avançar o leilão dos excedentes da cessão onerosa, se tiver leilão de licença de telefonia 5G. Zerar o déficit nessas condições é um avanço, não suficiente, mas importante.

Valor: Qual é a perspectiva de o novo governo formar uma base parlamentar para aprovar  reformas?

Mesquita: O futuro governo, aparentemente, vai tentar um “reset” [reiniciar em novas bases]  das relações ente os poderes Executivo e Legislativo. É possível que caminhe para um novo tipo de relacionamento, menos calcado em nomeações, haja vista a redução provável do número de ministérios. Mas não considero que seja impossível conseguir aprovar. O governo se iniciará provavelmente com uma dose de aprovação popular.

Valor: Qual é a paciência que os mercados terão para aguardar a implementação do ajuste?

Mesquita: Dado o grau de entendimento relativamente disseminado na sociedade sobre a  gravidade do problema da Previdência Social e o amparo do governo no mandato popular, é  provável que se consiga aprovar uma reforma da Previdência que vai na linha da proposta do atual governo, que gera uma economia de 1,5% do PIB em 2025, talvez mais. Se o governo conseguir aprovar a Previdência e os números fiscais forem melhorando, o sentimento do investidor em relação ao Brasil tende a ser mais favorável.

Valor: Como a eleição do Bolsonaro pode influenciar as decisões do Comitê de Política  Monetária [Copom] do Banco Central?

Mesquita: A eleição em si, diretamente, não influencia o Copom. O Copom filtra tudo o que  acontece nas suas projeções e na sua avaliação do balanço de riscos. Por exemplo, no caso atual, a taxa de câmbio vinha gerando pressões inflacionárias. O Copom tinha sinalizado que, caso o câmbio se estabilizasse em um patamar que gerasse pressões inflacionárias ou riscos de pressões inflacionárias importantes, ele poderia ajustar a Selic, ou começar a reduzir os estímulos que está injetando na economia. Com a apreciação cambial de 10% que houve entre o Copom de setembro e o Copom mais recente, já mudou um pouco a linguagem. As projeções do BC no cenário de referência ficaram bem alinhadas com a trajetória das metas até 2020, de modo que parece que não há necessidade de se elevar a taxa de juros muito provavelmente até o final do primeiro semestre de 2019, ou talvez até mais adiante no ano que vem.

Valor: Até quando?

Mesquita: Vai haver uma discussão sobre estabilidade da taxa de juros talvez durante todo o próximo ano. Obviamente, por trás disso está uma hipótese de que o contexto global não mude muito. Na medida em que o novo governo consiga de fato implementar reformas, que o risco país caia e o câmbio fique bem comportado, essa fonte de pressão inflacionária tende a diminuir. Claro que a atividade econômica se aquecendo gradativamente pode levar a um estreitamento do hiato, que pode gerar pressões inflacionárias. Mas por ora a gente ainda vê uma recuperação bem tímida da economia.

Valor: Como explicar que o BC ainda veja riscos que pendem para mais para o lado negativo?

Mesquita: É natural os banqueiros centrais serem mais cautelosos do que o mercado, mesmo porque o custo de errarem é muito grande para a sociedade. Não me surpreendeu que a avaliação sobre a assimetria do risco não tivesse removida por completo. As chances de aprovar reformas da Previdência aumentaram – poderia ter diminuído, dependendo do resultado eleitoral -, mas a reforma não foi aprovada ainda. Não temos uma equipe de governo completa, que vai ser anunciada nas próximas semanas, não temos a configuração definitiva do Congresso, com presidente da Câmara. São informações importantes para o BC avaliar a probabilidade de aprovação de reformas.

Valor: A eleição do presidente Bolsonaro terá algum efeito em atividade, via confiança?

Mesquita: A incerteza acaba levando a uma contração das condições financeiras, seja via   elevação de taxa de juros de mercado seja via queda dos preços das ações. Ou ambas ao mesmo tempo. Na medida em que os juros de mercado caem, o preço das ações sobe, isso tende a ter um efeito favorável sobre a atividade econômica.

Valor: Já está acontecendo isso?

Mesquita: Já está acontecendo e tende a influenciar a atividade econômica com alguma  defasagem. Mas a gente já observa, desde agosto ou meados de setembro, uma descompressão das condições financeiras. Agora, as condições financeiras locais refletem também as condições financeiras globais. A alta de juros nos Estados Unidos, o que está acontecendo no entorno  global, tende a limitar a exuberância dos preços de ativos e uma descompressão mais agressiva das condições financeiras.

Valor: Quando essa melhora das condições financeiras vai chegar na economia real?

Mesquita: Depende do indicador. No caso da Bolsa de Valores, em dólares, em geral antecipa movimentos da produção industrial em um trimestre.

Valor: Qual é sua visão sobre a proposta cogitada pelo futuro governo de reduzir o volume de reservas internacionais?

Mesquita: Houve ponderação, por parte de gente da equipe de transição, sobre o que fazer em um momento de estresse, se venderia spot [venda de dólar no mercado à vista] em vez de fazer operação com swap. Penso que é isso que a equipe do novo governo tem em mente, e não um programa de redução de reservas. De resto, se a gente mantém as reservas constantes em termos nominais, na medida em que o PIB vai crescendo elas vão ficando menos relevantes. Claro que as reservas têm um custo fiscal, mas no nosso arcabouço legal elas estão na competência do Banco Central. Quando surgem essas ideias de fazer operações com reservas para reduzir o custo fiscal, é algo que tem que ser discutido entre o futuro governo e o futuro Banco Central.

As opiniões aqui expressas são do autor e não refletem necessariamente as do CDPP, tampouco as dos demais associados.

Por Alex Ribeiro.

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