Folha
O Plenário do STF referendou a decisão do ministro Flávio Dino que homologou um plano de trabalho conjunto do Executivo e do Legislativo com providências para aumentar a transparência das emendas parlamentares ao Orçamento. Em consequência, foi liberado o pagamento de emendas que estavam bloqueadas por falta de informação quanto a autorias e uso dos recursos.
Ficou a impressão de que o nó foi desatado e que não haverá mais conflito sobre o tema. Não é bem assim.
O plano de trabalho é uma declaração de intenções. Sua implementação é que dirá se as informações disponibilizadas serão acompanhadas de ferramentas que permitirão o efetivo cruzamento e análise dos dados ou se será apenas um amontoado de informações soltas, sem utilidade. A decisão de Dino promete monitorar esse desenvolvimento.
O ministro também estabeleceu requisitos para a liberação de emendas que não serão cumpridos facilmente.
As emendas de comissão e bancada terão de explicitar seus autores. O plano de trabalho é lacônico sobre o cumprimento dessa condição, e sabemos que os parlamentares preferem manter o sigilo.
Emendas Pix só serão liberadas com aprovação de um plano de aplicação dos recursos de cada emenda.
Não é trivial analisar a sério milhares desses planos. O próprio ofício da AGU que encaminhou a proposta ao STF reconhece as dificuldades: “Os planos enviados para análise apresentaram alguns desafios, tais como: i) múltiplas finalidades para um mesmo objeto/meta, ii) múltiplas análises por plano, podendo chegar a 4x o número de planos; iii) objetos genéricos descritos; iv) metas sem mensurabilidade; v) falta de planejamento das gestões anteriores no âmbito municipal; vi) baixo envio dos planos anteriores a 2024; vii) cerca de 40% de planos enviados após o prazo”.
Se depender de planos coerentes, muita emenda Pix deixará de ser liberada.
Dino também deixa claro que não está satisfeito em discutir apenas a transparência das emendas ao alertar: “O plano de trabalho em foco oferece um caminho de aprimoramento institucional para o Estado brasileiro, mas não encerra o debate (…). Estamos diante de algo singular no mundo: essa novidade institucional brasileira em que se amplia a incursão do Poder Legislativo na execução orçamentária, com emendas impositivas que alcançam dezenas de bilhões de reais, ano a ano, fazendo migrar fortemente competências do Poder Executivo para o Poder Legislativo (…) indo muito além da clássica elaboração orçamentária”.
De fato, Hélio Tollini e eu, em estudo sobre participação dos Parlamentos no processo orçamentário em 11 países da OCDE, constatamos que esses países, reconhecidos por suas boas práticas, não estipulam cotas individuais de emendas para cada parlamentar. Tampouco reservam um pedaço do Orçamento para ser alocado pelos congressistas.
No Canadá e na Austrália, emendas são proibidas. No Chile e na Coreia do Sul, só para reduzir despesas. Onde as emendas são permitidas, a palavra final sobre a aprovação é do Poder Executivo, e seus valores são irrisórios, dificilmente passando de 2% da despesa discricionária (no Brasil, passam de 20%).
Tampouco prevalece nos demais países a liberdade para re-estimar receitas ou cortar despesas obrigatórias, práticas usadas no Brasil para abrir espaço para mais emendas.
O ministro promete voltar a esses pontos ao discutir outras ações sobre o tema que tramitam no STF. Ele está correto ao afirmar que transparência é importante, mas não suficiente. E, até o momento, nem sequer a transparência está garantida.
Link da publicação: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-mendes/2025/03/emendas-parlamentares-ao-orcamento-sao-problema-longe-de-ser-resolvido.shtml
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